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Os escravos e o dia de Ano Novo

Um artigo redigido por Prosper Ève, historiador, professor emérito da Universidade da Reunião.

A história é o estudo da vida, do amor e da morte. Posto que a vida não é um mar de rosas, a narração da história das pessoas escravizadas não pode ser feita em modo binário. As suas vidas eram dominadas pelo trabalho porque eram compradas para esse fim, eram pontuadas pelo sofrimento e pelas lágrimas, mas também pelo riso e pela alegria. Em princípio, o domingo era um dia de descanso. Na realidade, o trabalho cessava após as tarefas da manhã. Nos dias de festa religiosa, o patrão dava-lhes a oportunidade de festejar, isto é, de comer carne, beber e dançar. Já o dia de Ano Novo era um dia genuinamente especial na vida dos escravos da ilha de Bourbon.

– Em primeiro lugar, porque este dia lhes permitia situarem-se no tempo.

– Em segundo lugar, porque estabeleceram um costume. Durante a manhã, todos davam votos de um Feliz Ano Novo ao seu senhor. Chamavam-lhe «dia banané» (dia Feliz ano novo). Este gesto estava cheio de significado. Poder-se-ia reduzi-lo a um ato totalmente egoísta, por ser o dia dos presentes de Ano Novo – duas mudas de roupa – e dos votos que culminavam na oferta de um copo de álcool ou de limonada. Na realidade, através deste ato pacífico imbuído de respeito e bondade, os escravizados chamavam a atenção do senhor para a sua humanidade, para o facto de pertencerem à mesma propriedade e para a necessidade de todos os seus residentes se encontrarem unidos. Embora a maioria dos senhores não desvalorizasse este costume, uma minoria não o suportava, contudo era obrigada a aceitá-lo, sendo impossível recebê-lo com maus modos.

– Finalmente, porque para estes dominados, este dia era o momento ideal para pensar nos antepassados, pedir-lhes ajuda e proteção para poderem suportar o insuportável e apaziguar as relações entre os protagonistas da propriedade. Para os malgaxes, os africanos e os indianos, a morte de um parente não marcava o fim dos seus laços com os vivos. Como o escravizado não podia fazer nada sem a autorização do senhor, submetia-se à regra e convida-o a participar com a sua família.

De um modo geral, a rejeição do sistema esclavagista refletia-se em atos de resistência, porém o costume ousado estabelecido no dia de Ano Novo merece especial atenção.

O sucedido na casa dos Desbassayns nesse dia traz a lume a complexidade do sistema de escravatura.

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