Memória da escravatura

Memórias

O tráfico de escravos, o dever da memória e o dever da história : que lugar para o professor?
O exemplo da Ilha da Reunião
Autor
Gilles GAUVIN

Historiador


O tráfico de escravos, o dever da memória e o dever da história : que lugar para o professor?
O exemplo da Ilha da Reunião

As duas primeiras décadas do século XXI consagraram o dever de memória ao mais alto nível do Estado francês.

Quer se trate da efeméride nacional do comércio de escravos, da escravatura e das suas abolições desde 2006, ou do centenário da Primeira Guerra Mundial entre 2014 e 2018, a Escola também se viu envolvida neste movimento de «comemoração» de que Antoine Prost já falava  em 1996 . É, portanto, neste contexto social, político e académico renovado que o quotidiano dos professores se insere há mais de trinta anos.

O professor e a esfera social

O trabalho da Escola decorre numa esfera social caracterizada por uma profunda necessidade de referências identitárias. Isto leva à expressão de uma pluralidade de memórias que produzem narrativas destinadas a comover ou a indignar. Essas memórias são transmitidas individualmente, através de famílias ou associações. Podem dar origem a comemorações (um termo originalmente ligado à esfera religiosa) de ordem privada ou pública. Às vezes silenciadas, acabam por ressurgir na praça pública. Neste sentido, a celebração da abolição da escravatura na Ilha da Reunião permaneceu confinada, a partir do ano de 1849, à esfera privada devido a uma vontade política de ofuscar este dia que os proprietários da ilha consideravam perigoso. O dia 20 de dezembro só foi finalmente consagrado em 1983 pelo governo de François Mitterrand.

A Lanterna Mágica n° 49. Enterro do ano de 1848. Adolphe Potémont. 1848. Litografia.
Coleção Arquivos departamentais da Reunião

A partir do final da década de 1980, na sequência do processo de descentralização que dinamizou as políticas culturais regionais, assistiu-se ao surgimento no panorama público de associações, coletivos ou artistas que procuram afirmar a sua identidade em torno do tema da escravatura. A leitura da história que dela emana visa reconstituir um mundo binário dividido entre senhores e escravos, Brancos e Negros, poderosos e fracos, em que frequentemente tentamos explicar as discriminações ou as desigualdades sociais contemporâneas enquanto a realidade histórica é mais complexa. Assim, por exemplo, sabemos que 80% dos senhores da Ilha Bourbon viviam na miséria, o que não minimiza a brutalidade e a desumanidade da escravatura , mas que implica uma relação entre senhores e escravos mais complexa do que a do rico colono do filme «E Tudo o Vento Levou» presente no imaginário popular. Esta visão maniqueísta também omite a existência do grupo de «Livres de cor», alforriados ou descendentes de alforriados, entre os quais encontramos proprietários de terras que também possuíam escravos. Não obstante o facto do decreto de Haia de 1674 proibir «os franceses da ilha de se casarem com negras» e «os negros de se casarem com brancas», as mulheres eram, na realidade, muito poucas para que os colonos tivessem escolha. O caso de Marie Case, uma das três primeiras malgaxes da ilha, é revelador desta complexidade histórica. Casou-se uma primeira vez com um malgaxe «ao serviço» da Companhia das Índias, enviuvou, voltando depois a casar com o normando Michel Frémont em 1689. Quando este faleceu, tornou-se proprietária de catorze escravos. Inversamente, os arquivos mostram que há escravos com pele branca nesta sociedade de Bourbon, embora esteja muito longe de ser o fenótipo dominante. Prosper Eve revelou assim, num inventário efetuado após a sua morte em 1840 em Sainte-Suzanne, várias descrições de escravos resultantes da mestiçagem  : «Aristide, de 21 anos, crioulo, de cor branca, de cabelo preto e encaracolado, 1,70 m de altura»; «Arnold, filho de Mélanie, 2 anos, crioulo, cor branca, cabelo loiro».

A transmissão, especialmente aos alunos mais jovens, requer uma simplificação, mas a dificuldade com a qual se depara o pedagogo é ter que lutar contra ideias preconcebidas, especialmente quando são transmitidas através da docuficção, um género cinematográfico impulsionado pela procura da memória por parte da sociedade. É o caso de «Elie ou les forges de la liberté»  de William Cally, coescrito com o historiador Sudel Fuma por ocasião do bicentenário da revolta dos escravos em Saint-Leu. Neste contexto, por exemplo, a cena em que o administrador da plantação ataca de modo selvagem, sem razão aparente, os escravos que já estão a trabalhar, transmite a imagem de uma violência gratuita também retratada noutra docuficção consagrada pelos mesmos autores, em 2015, a Madame Desbassayns.

Cartaz do filme «Madame Desbassayns» de William Cally. 2015.
Produção Estúdios Kapali, France Télévisions

Caricatura-se assim uma violência inerente ao sistema esclavagista e que poderia assumir muitas outras formas, esquecendo-se que o interesse do proprietário não é matar os seus escravos no trabalho. No entanto, é esta imagem que se repete nas produções dos alunos sobre o tema. Além disso, os escravos estão todos vestidos com roupas brancas imaculadas para trabalhar nos campos, sendo que Élie é representado vestido com uma camisa e um colete, enquanto na maioria das vezes estavam vestidos com simples calças de tecido azul. A água da Ravine du Trou, situada a vários quilómetros das propriedades, era transportada por barris, porém o filme mostra escravos a carregarem baldes. Mais problemático de um ponto de vista histórico é o quadro de Delacroix sobre a revolução de 1830 que aparece em ambos os filmes para evocar a Revolução Francesa de 1789. Finalmente, o filme sobre a revolta de Saint-Leu levanta questões sobre o propósito da sua mensagem de heroísmo da personagem de Élie, ao passo que o estudo de fontes judiciais mostra que tudo indica que o «Comandante» Gilles foi o desencadeador da conspiração, sem demérito para a importância de Élie no movimento. O problema é que a revolta dos escravos de Saint-Leu se tornou a revolta de Élie. Será que a Reunião teria finalmente encontrado este «Espártaco negro» em torno dos discursos memoriais que até então não tinham conseguido encarnar as resistências à escravatura, contrariamente ao que poderia ter existido nas Antilhas? Outros erros históricos também podem levar os espectadores, incluindo os estudantes, a contrassensos históricos. Neste sentido, o filme sobre Madame Desbassayns apresenta escravos a trabalharem arduamente nos campos de cana-de-açúcar, contudo a cena é totalmente anacrónica porque, embora Laisné de Beaulieu tenha feito experiências de plantação em 1785, a cana só seria generalizada muito mais tarde . Se a necessidade de história assumida por associações, por um cineasta e por um historiador inclinados para a popularização e divulgação levou à concretização de produções cinematográficas, é evidente que tais materiais pedagógicos requerem um acompanhamento para ajudar os alunos a exercer um olhar crítico e a distanciarem-se de um discurso, que por vezes é claramente guiado por reivindicações identitárias.

O desejo de memória está igualmente presente no mundo artístico. A peça «Marie Dessembre» estreada a 12 de dezembro de 1981 no Grand Marché em Saint-Denis por Emmanuel Genvrin e o Teatro Vollard teve, e com razão, um impacto significativo. O trabalho realizado pelo escultor Marco Ah-Kiem sobre o tema da escravatura é outro bom exemplo. Seja a estátua de Madame Desbassayns, que está no jardim do Museu Villèle em Saint-Paul, ou a do escravo Mario no local da Virgem Negra  em Sainte-Marie, este artista participa na construção da história e da memória da ilha através das suas obras . Baseada na lenda do escravo Mario , a estátua encomendada pela associação Racine et basalte, no âmbito do centésimo quinquagésimo aniversário em 1998, tornou-se mesmo um objeto de devoção, um verdadeiro intermediário entre a população e a Virgem.

O escravo Mario e a Virgem negra. Marco Ah-Kiem. 2008. Escultura de basalto.
Fotografia de Ibrahim Mullin. Todos os direitos reservados.

A estátua intitulada «a carregadora de água»  também é testemunho das singularidades do uso da memória. Realizada por Marco Ah-Kiem, em memória da sua mãe que tinha de ir buscar água com um balde para utilizar no dia-a-dia, foi comprada pelo município de Saint-Denis devido ao facto de remeter para a escravatura. Por fim, o próprio escultor foi questionado por uma pessoa cuja casa se encontra junto ao local da instalação porque, apesar de achar a escultura magnífica, não teria aceitado que se tratasse de uma referência ao período da escravatura! O escultor, por sua vez, garantiu não ser esse o caso, uma vez que se tratava do trabalho diário efetuado pela sua mãe… De qualquer forma, a visita da exposição de esculturas de Marco Ah-Kiem permite compreender como a escravatura pode inspirar um artista da
Reunião . A música é outro campo artístico que também pode servir de apoio aos professores , os textos de Davy Sicard podem, além disso, constituir um suporte pedagógico. Um exemplo é «Marianne», uma canção em que o autor frisa o seu orgulho em deixar-se inspirar tanto pela memória da Marianne republicana como pela escrava rebelde Marianne . A dificuldade reside, numa abordagem crítica que caracteriza a história, no facto de não ser involuntariamente transmissor de ideias pré-concebidas através da utilização de todas as formas de expressão artísticas baseadas nas memórias da escravatura.

 O professor e a esfera política

O trabalho da Escola também se insere numa esfera política onde o dever da memória se tornou imperativo. Como representantes do Estado republicano, os professores são envolvidos neste dever de memória concebido como a vontade de recordar a fim de construir uma sociedade democrática baseada nos princípios da inclusão e da tolerância. A ação do Estado foi afirmada em 2001 através do reconhecimento do tráfico de escravos e da escravatura, praticados pelos europeus, como um crime contra a Humanidade. A primeira consequência direta desta lei foi a nomeação de um Comité para a Memória da Escravatura (CPME) em 2004, com a missão de propor medidas destinadas a restabelecer o tema na história nacional.

Escravos. Mohamedi Wasia Charinda. 1998. Pintura a laca.
coleção Museu Histórico de Villèle

O trabalho do Comité marcou um ponto de viragem no ensino, como mostram os programas do terceiro ciclo do ensino básico reescritos em 2010. Como consequência concreta destes avanços, desde 2006 no ensino do ultramar francês há agora duas datas para a abolição da escravatura. Na Ilha da Reunião, o dia 20 de dezembro, que já é objeto de várias atividades pedagógicas, foi destacado em 2011 pelo concurso académico «Tráfico, escravatura, abolição», que se integrou em 2016 no concurso nacional «A Chama da Igualdade» levada a cabo pelo Comité Nacional para a Memória e a História da Escravatura (CNMHE) que veio assegurar a continuidade do CPME . As duas datas enriquecem, sem entrarem em concorrência entre elas, o potencial do trabalho pedagógico: a data que pertence à história da Reunião é o dia 20 de dezembro, ao passo que o dia 10 de maio permite abrir o olhar a outros espaços que também foram marcados pela escravatura colonial. Os Antilhanos estão muito pouco cientes da história da escravatura no Oceano Índico, mas será que os habitantes da Reunião conhecem a história de Cyrille Bissette ou Louis Delgrès?

A escolha política de reafirmar, a nível nacional, o tema da educação revela, no entanto, o lugar menor dado ao Oceano Índico. Na verdade, nas edições de 2011, todos os manuais escolares do terceiro ciclo do ensino básico dedicam cerca de dez páginas ao tema, mas nenhum proporciona uma documentação relacionada com esse espaço. Assim, todos os alunos da França podem compreender que a escravatura tem um lugar importante na história da França, descobrindo, ao mesmo tempo uma documentação que associa a questão ao espaço caribenho, do mesmo modo que os jovens das Antilhas e da Guiana podem identificar-se com esses manuais escolares. Contudo os alunos da Ilha da Reunião não encontram em lado nenhum a evocação do seu território, apesar de todos os manuais escolares oferecerem um mapa do tráfico de escravos com setas que também apontam para o Oceano Índico… A deputada da Reunião Huguette Bello decidiu intervir, questionando o ministro da Educação em 30 de maio de 2011 . Não seria complicado falar do comércio transoceânico de escravos em vez de transatlântico, mas sem dúvida que esta mudança é difícil de efetuar devido ao peso que as Caraíbas representam nas memórias da escravatura em França.

Foi, aliás, em Guadalupe que o Estado decidiu abrir, em maio de 2015, um Centro caribenho sobre o Tráfico e a Memória do Tráfico de Escravos e da Escravatura. Através do tratamento da escravatura na sua totalidade, desde a antiguidade até aos dias de hoje, o Memorial ACTe destaca as resistências à escravatura e à rota dos escravos com a assunção, para atrair o público em geral, de uma encenação onde «a emoção ganha vantagem sobre a história» . Além disso, pretende ser um centro de expressão cultural e artística contemporânea. Embora possa parecer necessário instaurar em cada território ultramarino centros de investigação dinâmicos sobre o assunto, constatamos que, ao contrário da Inglaterra, a França não optou por ancorar no seu território continental um museu e um espaço de investigação da magnitude do que pode ser encontrado, por exemplo, em Liverpool .

Para além do próprio Estado, os partidos políticos desempenham, naturalmente, um papel nesta questão. Na Reunião, o reconhecimento da escravatura tem vindo a ser fomentado pelos comunistas desde 1945, com um caráter acentuado a partir de 1959. O bloqueio da autonomia democrática e popular defendida pelo PCR levou os seus opositores a evitarem mencionar o assunto. A instauração do dia 10 de maio em França continental, a partir de 2006, também deu origem a controvérsias relacionadas com a questão identitária. Por ocasião do dia 10 de maio de 2014, o presidente da câmara de Villers-Cotterêts – afiliado ao partido de extrema direita Front National – recusou-se, por exemplo, a organizar uma manifestação oficial, em que denunciava uma «permanente mea culpa». Se nos anos 60 descobrimos que não falávamos o suficiente sobre o assunto, cinquenta anos depois, falaríamos demasiado sobre ele. A vontade de não permitir que a comemoração da abolição da escravatura se desenvolvesse correspondia, de facto, a um período em que o Estado republicano tinha feito a escolha de construir a nação através da omissão das partes mais sombrias da sua própria história, ocultando assim certas memórias. A descentralização, levada a cabo desde a década de 1980, com a profusão cultural dela resultante, permitiu romper com esta atitude, acompanhada, porém, paralelamente, de um aumento considerável das reivindicações vitimárias que vêm acrescer as controvérsias sobre a identidade nacional .

A Séga, Dança dos Negros à beira-mar (em St. Denis). Louis Antoine Roussin. 1860. Litografia.
Coleção Museu Histórico de Villèle

No panorama internacional, esta questão é defendida pela UNESCO que, em 1994, em Uidá, no Benim, iniciou o projeto «A Rota do Escravo: resistência, liberdade, património». Este trabalho sobre diversos lugares de memória, leva por vezes a discursos mais mitológicos do que históricos, como é o caso da Casa dos Escravos na Goreia . No entanto, há que reconhecer que é também graças à encenação da memória que se pode estabelecer o diálogo intercultural e que a história pode retomar o seu lugar. A UNESCO foi também um apoio à Ilha da Reunião ao classificar o Maloya como património imaterial da humanidade em 2009. Este reconhecimento, apoiado politicamente pelo Conselho Regional da Reunião presidido na altura pelo comunista Paul Vergès, foi impulsionado pela ação do académico da Reunião Sud Fumael, diretor da cadeira universitária UNESCO sobre a Escravatura e o Comércio de Escravos no Oceano Índico. Este último fomentou, a partir de 2004, uma rota do escravo e do trabalhador contratado no Oceano Índico cujo objetivo era, segundo as suas palavras, desenvolver «uma terapêutica da memória para servir uma identidade crioula indoceânica» . De acordo com a sua abordagem, a memória constitui um intermediário que permite, com o apoio de marcos históricos, alcançar um projeto político baseado na noção de identidade. Nesse sentido, usou a história ao serviço de um objetivo: o reconhecimento do povo da Reunião.

Estátuas da Rota dos Escravos. C. Rabemanjara; Dolaine Courtis Fuma. 2005. Escultura.
Fotografia de Ibrahim Mullin. Todos os direitos reservados

O professor e a esfera científica

A história pertence ao campo das ciências humanas. Neste sentido, é uma prática científica que segue um método de análise crítica, mas é também uma prática social que faz parte de uma determinada sociedade e cujos paradigmas evoluem. A nível nacional, a questão da escravatura e do tráfico de escravos tornou-se parte do debate que divide a comunidade histórica entre aqueles que, em torno do coletivo Liberté pour l’histoire (Liberdade para a História), a partir de dezembro de 2005, acreditam que as leis «memoriais» constituem obstáculos à investigação histórica e aqueles que, pelo contrário, acreditam que sem uma vontade política forte a investigação nunca tratará uma série de assuntos relacionados com as «páginas sombrias» da história. O resultado destas controvérsias mediáticas entre historiadores de renome não veio ajudar o professor na construção do seu trabalho.

Na Ilha da Reunião, o Professor Hubert Gerbeau  , que chegou à ilha em 1968, desempenhou um papel decisivo no desenvolvimento da investigação sobre a escravatura. Foi ele que formou Sudel Fuma e Prosper Eve, que foram os dois principais académicos que se debruçaram sobre o tema desde a década de 1980 até à primeira década do século XXI. Houve polémicas, como as que estão ligadas à abordagem proposta pela politóloga Françoise Vergès  através do projeto Maison des Civilisations et de l’Unité Réunionnaise(MCUR), ou com a sucessão de Sudel Fuma, que morreu em 2014, o que levou a um confronto judiciário entre académicos locais e da metrópole . Apesar disso, existem muitas produções científicas ligadas, em particular, ao dia temático organizado durante a semana da história pela AHIOI . Também outros centros universitários realizaram novas pesquisas, como o trabalho realizado na literatura por Marie-Ange Payet sobre as mulheres no marronnage , o trabalho efetuado em história por Bruno Maillard sobre as Palavras dos escravos  ou por Anne-Laure Dijoux no campo da arqueologia, onde ainda resta muito por fazer .

Há outros trabalhos que permitem que os professores enriqueçam os seus recursos. Foi neste contexto que o trabalho de escrutínio das atas de alforria levou a uma notável exposição, denominada Les noms de la liberté (Os Nomes da Liberdade), apresentada nos arquivos departamentais de 2013 a 2015 e acompanhada por um dossier pedagógico .

Cartaz da exposição Os nomes da liberdade, 1664-1848: do escravo ao cidadão.
Saint-Denis, Arquivos departamentais da Reunião, 14 de dezembro de 2013 – 13 de julho de 2016

Muitas produções com fins educativos tiveram lugar aquando do 140.° aniversário da abolição, em 1988, ou no 150.° aniversário, em 1998 , e depois com a publicação a partir de 2001 de livros de história local . Há também exposições sobre a temática disponibilizada pela Biblioteca Departamental de Reunião. A proliferação de produções editoriais relacionadas com a instauração do dia de 10 de maio resultou em publicações que permitem abordar a questão no contexto da Reunião . Por último, a utilização da Internet faculta aos docentes diversos suportes que vão desde a investigação de universitários ou eruditos  até produções em memoriais comprometidas com o tema. A questão da formação inicial, mas ainda mais da formação contínua dos professores sobre o assunto está, portanto, no centro dos debates, bem como a adaptação dos programas oficiais locais.

O papel do professor é, em última análise, levar os alunos, ao longo do seu percurso escolar, para o domínio de um conhecimento ao qual se deve acrescentar um olhar crítico, mais baseado no questionamento e na dúvida do que na apresentação de respostas «académicas». Tudo isto está inserido numa abordagem de investigação e projeto que permite tornar o aluno um ator do seu conhecimento. Ao contrário do universitário, o professor não tem à sua frente um público destinado a tornar-se professor de História ou historiador. A grande maioria destes jovens continuará submetida a imagens, ideias preconcebidas e pressões sociais e políticas que muitas vezes reproduzem os mesmos comportamentos irracionais. A história, tal como é ensinada nas escolas primárias e secundárias, deve então contribuir para a formação de futuros cidadãos capazes de compreender que a realidade histórica é de uma complexidade muito maior do que os discursos transmitidos pela memória familiar, pelos meios de comunicação social ou pelo mundo político, quer se trate de escravatura ou de outras questões vivas.

Notas
[1] Antoine Prost, Douze leçons sur l’histoire, Paris, Points-Seuil, 1996, p. 300.
[2] Prosper Eve, Le Bruit du silence. Parole des esclaves de Bourbon de la fin du XVIIe siècle au 20 décembre 1848, St-André, CRESOI-Océan Éditions, 2010 ou Le corps des esclaves de l’île Bourbon. Histoire d’une reconquête, Paris, Presses de l’université Paris-Sorbonne, 2013.
[3] Gilles Gauvin, L’esclavage. Idées reçues, Paris, Le Cavalier Bleu, 2010, p. 35-40.
[4] Filme produzido por Kapali Studio em 2011.
[5] Jean-François Géraud, Xavier Le Terrier, Atlas historique du sucre à l’île Bourbon-La Réunion (1810-1914), St-André, CRESOI-Universidade da Reunião, 2010.
[6] A estátua deste lugar importante de peregrinação deve a sua cor apenas a uma camada de tinta que foi colocada para protegê-la, mas o apego a esta Virgem Negra mostra a forte necessidade relacionada com as memórias dilaceradas da escravatura.
[7] Podemos encontrar no site da Academia da Ilha da Reunião (www.leboucan.fr), vídeos com fins educativos em que Marco Ah-Kiem explica várias das suas esculturas.
[8] Reza a lenda que um jovem escravo da propriedade de Charles Desbassayns, na Rivière des Pluies, fugiu e, refugiando-se sob uma buganvília, protegeu-se sob uma pequena estatueta de madeira da Virgem que tinha esculpido. Foi assim que teria conseguido escapar aos caçadores negros.
[9] Instalado na rotunda da ponte da Rivière des Pluies, em Saint-Denis. A génese desta estátua é explicada por Marco Ah-Kiem neste vídeo.
[10] Grégory Ah-Kiem, Jean-François Samlong, Les Portes de la mémoire, St-Denis, UDIR, 2011.
[11] Jean-Pierre La Selve, Musiques traditionnelles de La Réunion, St-Denis, Kreolart, 2015.
[12] Canção do álbum Mon péi, 2012.
[13] http://www.cnmhe.fr
[14] « L’esclavage à La Réunion oublié dans les manuels scolaires », Journal de l’île, 3 de junho de 2011.
[15] « Cinq choses à savoir sur le Mémorial ACTe, en Guadeloupe », lemonde.fr de 10 de maio de 2015, atualizado a 12 de maio de 2015.
[16] http://www.liverpoolmuseums.org.uk/ism
[17] Vincent Martigny, Dire la France. Culture(s) et identités nationales (1981-1995), Paris, Les Presses de SciencesPo, 2016.
[18] Gilles Gauvin, « Tous les esclaves africains ont été déportés à partir de Gorée », em L’esclavage. Idées reçues Op. cit. pp. 41-47.
[19] Sudel Fuma defende este termo indoceânico em vez de Indianoceânico. https://oceanindien.revues.org/1937.
[20] O seu nome vem da petição lançada em dezembro de 2015 por 19 historiadores reunidos em torno de Pierre Vidal-Naquet.
[21] Na Reunião, foi Vice-Presidente, até 1980, da universidade da Reunião e introduziu o estudo da história local nos programas. De seguida, foi nomeado para o IEP de Aix-Marseille, onde dirigiu, de 1985 a 2002, o Centro de Estudos e Investigação em Sociedades do Oceano Índico. Obteve o primeiro prémio de tese do CPME em 2005 pela sua tese L’esclavage et son ombre à Bourbon.
[22] Presidiu o CPME a partir de 2008, posteriormente o CPMHE (2009-2013) e esteve à frente do MCUR até à mudança da maioria regional em 2010, o que marcou o fim do projeto.
[23] A substituição de Sudel Fuma é alvo de polémicas violentas e até de um recurso no tribunal administrativo entre um candidato local e um candidato da universidade de Nantes.
[24] http://www.ahioi.org
[25] Marie-Ange Payet, Les femmes dans le marronnage à l’île La Réunion de 1662 à 1848, Paris, L’Harmattan, 2013.
[26] Bruno Maillard, Gilda Gonfier, Frédéric Régent, Libre et sans fers. Paroles d’esclaves, Paris, Fayard, 2015.
[27] Anne-Laure Dijoux, Recherche et étude de sites archéologiques de marronage à l’île de La Réunion, Tese de Doutoramento, Paris 1, 2016.
[28] Ficheiro online sobre o serviço educativo dos Arquivos departamentais.
[29] Ver por exemplo CCEE, De la servitude à la liberté : Bourbon des origines à 1848, Região da Reunião, 1988.
[30] Alberto Jauze, Esclave, esclavage, société. Facettes multiples d’un système fondé sur l’esclavage (Des origines à l’abolition de 1848), St-Denis, CRDP, 1998. Este trabalho foi revisto e colocado on-line desde 2016 no site dos arquivos departamentais.
[31] Coleção Hatier International. 2° e 3° ciclos do ensino básico publicado em 2001 e 2002 respetivamente, ensino secundário em 2003 e 1° ciclo do ensino básico publicado em 2006.
[32] Durante muito tempo, os únicos suportes foram os romances de Daniel Vaxelaire, Chasseurs de Noirs reeditado desde 1982 e En haut la liberté publicado desde 1999. Outros surgiram desde então, mesmo em banda desenhada: Laetitia Larralde, Gilles Gauvin, Tambour battant, França, Orphie, 2010-2011 (o primeiro volume gira em torno da primeira abolição de 1794 e o segundo volume é dedicado à revolta de St-Leu em 1811) ou ainda Denis Vierge, Un marron, Bélgica, Des bulles dans l’océan, 2 volumes, 2014-2015 que trata a questão do marronnage (fuga de escravos). A nível regional podemos usar Savoia, Les esclaves oubliés de Tromelin, França, Dupuis, 2015.
[33] Ver por exemplo trabalho publicado online por Robert Bousquet da sua pesquisas sur Les esclaves et leurs maîtres à Bourbon, au temps de la Compagnie des Indes. 1665-1767.
+ Exibição
— Esconder
Memória da escravaturaMemórias
Imprimir
texto em formato PDF
Partilhar esta página
nas redes sociais
   
Autor
Gilles GAUVIN

Historiador