A escravatura

Condição e vida quotidiana do escravo

O quotidiano dos escravos na propriedade Desbassayns de Saint-Gilles-les-Hauts
Autor
Alexis MIRANVILLE

Historiador


O quotidiano dos escravos na propriedade Desbassayns de Saint-Gilles-les-Hauts

Na Ilha da Reunião, há poucos lugares, além de Villèle, que reúnem num espaço tão pequeno tantos edifícios e vestígios, testemunhos do passado esclavagista da ilha: mansão, fábrica de açúcar, hospital dedicado aos escravos, capela onde muitas pessoas se casaram, etc.

A transição da era do café para a do açúcar provocou grandes mudanças na paisagem e economia da propriedade da Madame Desbassayns e também no dia a dia dos seus escravos.

O seu contexto de vida
A propriedade e as suas atividades económicas

A propriedade Panon Desbassayns, local de residência e exploração agrícola, formava uma pequena comunidade que cultivava os seus alimentos, criava os seus animais e produzia géneros alimentícios para exportação. No relato das visitas que fez à Reunião em meados da década de 1840, o Abade Macquet retratou-a como um principado chefiado por um chefe e vários ministros .

Constituição e configuração espacial do domínio de Saint-Gilles

Na origem da propriedade, em 1698, está a concessão de um primeiro terreno a Thérèse Mollet, viúva do senhor Duhal, avó materna de Henri Paulin Panon Desbassayns, localizado «na parte alta de Saint-Gilles», entre as ravinas Saint-Gilles e L’Ermitage. Essa concessão totalizava cerca de meia légua de comprimento por um quarto de légua de largura .

As várias disputas que Thérèse Mollet teve com os seus vizinhos encontram-se registadas no ato de ratificação assinado a seu favor em 1727 e que estabelece, de um modo um pouco mais exato, os limites e as dimensões da sua propriedade: 3262 m de comprimento por 856 m de largura . Não apresentava, porém, a forma de um retângulo  e situava-se entre 250 m e 500 m de altitude, acima e no limite da savana na qual, a 20 de dezembro de 1731, um despacho do Conselho Superior da Ilha Bourbon cancela e proíbe qualquer anexação ou aquisição de terrenos. Este texto estipulava que a savana deveria permanecer comum a todos os proprietários das parcelas contíguas para deixar o gado  em cercado.

Foi nesta concessão que a mansão, a fábrica, a capela e as primeiras cubatas do campo de escravos foram posteriormente construídas, constituindo o primeiro núcleo de onde seria erigido o domínio dos Panon Desbassayns.
A viúva do senhor Duhal, que faleceu em 1753, deixou metade do seu bem a cada uma das duas filhas. A primeira, a viúva de André Rault , tendo tido seis filhos, subdividiu a sua parte em tantos lotes. Quanto a Augustin Panon (1694-1772), marido da segunda filha dos Duhal, só teve de partilhar o seu terreno entre dois dos filhos: François Joseph Panon du Hazier e Henri Paulin Panon Desbassayns. Este último foi assim apelidado por ter herdado um terreno em Trois-Bassins.

Como a maioria dos que obtiveram terras na parte alta de Saint-Gilles, a viúva do senhor Duhal não viveu nesse lugar, destinando-o à agricultura . De acordo com o poeta e agrónomo Auguste de Villèle (1858-1943), bisneto de Madame Desbassayns , Augustin Panon foi o primeiro a ali se instalar, numa casa de madeira. A partir de 1780, o seu filho, Henri Paulin Panon Desbassayns, comprou as ações dos filhos do seu irmão Panon du Hazier e depois alguns lotes pertencentes aos herdeiros de André Rault. Na altura da sua morte, em 1800, tinha mais do que duplicado a área recebida como herança.

Após ter enviuvado, Hombeline Gonneau Montbrun, agora mais conhecida como Madame Desbassayns, continuou a expandir a propriedade que, aquando do seu falecimento em 1846, perfazia 378 ha . A área cultivável era então de cerca de 300 ha, sendo que os 500 ha de savana ainda não faziam parte do domínio.

Além desta propriedade em Saint-Gilles, Madame Desbassayns possuía outra, a uma distância em linha reta de aproximadamente 3 km, localizada a uma altitude de 500 m na sua base, entre as ravinas Divon e Bernica , e herdada do pai, Julien Gonneau Montbrun, falecido em 1801.

Atividades económicas na propriedade de Saint-Gilles

Casa especial de cafés. 2a metade do século XIX.
Coleção Museu Villèle

No século XVIII, Saint-Gilles viveu um período de intensa atividade de café. A mansão da propriedade, concluída em 1788, apresenta um telhado em terraço onde se finalizava a secagem da colheita.
Segundo Auguste de Villèle, o cultivo de algodão, cujas sementes Henri Paulin tinha trazido da Índia, «rivalizava com o do café e das (plantas) alimentícias» . Todavia, essa produção já não aparece nas estatísticas em 1823 , sendo que em 1815, cobria apenas 7 ha contra 27 no caso do café  e 250 no do milho .

O viajante Auguste Billiard que, em 1817, viveu numa casa ao lado da de Madame Desbassayns, evoca no seu livro  a destruição de uma grande parte dos cafeeiros da ilha, causada pelos ciclones e secas de 1806, explicando o abandono desta cultura pelo facto de muitos colonos não terem a possibilidade de esperar os quatro a sete anos necessários para o crescimento das mudas. Já o Tenente Frappaz atribui o seu declínio menos a estes excecionais acidentes climáticos do que a uma diminuição constante das chuvas que, durante vários anos, «vemos fugir ao longo das terras altas que ladeiam (a) bela plantação» .

É provavelmente por esta razão que a habitação de Bernica, que goza de uma altitude relativamente mais fresca e húmida, foi preferida à de Saint-Gilles para a primeira experiência do cultivo da cana e da criação de uma fábrica de açúcar.

Contudo, é o domínio de Saint-Gilles que será objeto de todos os cuidados de Madame Desbassayns e cuja administração confiou ao seu filho Charles por meio de um acordo assinado em 1822 . Uma das principais vantagens desta propriedade é o facto de se situar nas proximidades da costa onde Madame Desbassayns estabeleceu armazéns. Em 1829, ligou-os à fábrica por uma estrada direta cujo traçado corresponde ao do atual Chemin Carrosse.

Porém, esta propriedade não era inteiramente dedicada a uma monocultura de exportação. Já em 1805, muito antes da devastação causada aos cafeeiros pelas catástrofes climáticas de 1806-1807, os víveres (milho, trigo, arroz, legumes, batatas) cobriam 85% da área cultivada, contra apenas 15% para o café. 

Em 1846, na era próspera da cana, cobria um pouco mais de 34% das terras agrícolas contra cerca de 61% das plantas alimentares . O milho, por si só, ocupava o primeiro lugar com 118 ha, representando quase 50% das terras semeadas, muito à frente das várias culturas de leguminosas (8,3%) e da mandioca (4,5%). Esta última não substituiu o milho para a alimentação dos escravos e animais, pese embora as recomendações de Joseph Desbassayns e as diretivas do seu irmão Charles. 
O desenvolvimento da cana dependia, portanto, de uma mão de obra abundante, cuja alimentação exigia que uma parte significativa da terra fosse consagrada aos víveres. A este respeito, vale a pena citar o testemunho de um dos netos da Madame Desbassayns segundo o qual ela tinha conceções da economia da propriedade diferentes, ou até divergentes, do filho Charles. Estava convencida de que a cana-de-açúcar estava a esgotar o solo e, forçando os plantadores a endividarem-se, causaria inevitavelmente a sua ruína . Ao defender a manutenção de uma produção alimentar considerável, quis assegurar e garantir a alimentação dos numerosos escravos e tornar a propriedade autossuficiente em termos alimentares.

As suas condições de trabalho
Uma controlo severo e uma supervisão constante

A supervisão dos escravos era levada a cabo por um administrador de propriedades encarregado de velar pelo desempenho das tarefas diárias, tais como definidas pelos seus patrões, bem como pela aplicação dos métodos destes últimos. Tinha sob o seu comando um batalhão de guardas e capatazes. Para obter uma melhor produtividade da mão de obra servil, Charles Desbassayns escreveu instruções («Notes») destinadas aos administradores e apresentadas sob a forma de um catálogo de observações e recomendações relativas a cada um dos guardas, capatazes ou chefes de grupo, expressamente designados .

Capatazes e Guardas: Chefes que eram escravos

Ração dos cavalos; Portador de água; Doméstico indiano ; Capataz. Jean-Baptiste Louis Dumas. 1849.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião

Os chefes de equipa chamados capatazes ocupavam o posto mais alto a que os escravos podiam aceder. A sua função era comandar um grupo destacado para uma determinada atividade ou sítio: os campos, a fábrica, a casa principal da propriedade, o jardim, para cortar madeira na floresta ou recolher corais na costa.

Os responsáveis pelo galinheiro, a purga da fábrica e as equipas de carpinteiros ou trabalhadores do açúcar tinham o título de chefes . Os capatazes eram escolhidos de acordo com a sua capacidade para se fazerem respeitar, mas também entre os homens e mulheres mais competentes na sua área profissional e que possuíam muitas outras qualidades, incluindo habilidade e inteligência. Eram obrigados a uma total submissão. Charles Desbassayns viu-se, no entanto, forçado a constar que as suas instruções nem sempre eram cumpridas à risca e, notava, por vezes, uma certa cumplicidade entre os chefes e os transgressores. Por isso, pediu ao administrador que aumentasse o número de controlos aleatórios, que mudasse frequentemente os guardas de posto e até, se necessário, os despromovesse. 

Tal como os capatazes, os guardiões eram escolhidos entre aqueles em que o senhor poderia depositar alguma confiança. No testamento de Madame Desbassayns, redigido em 1845, encontravam-se recenseados vinte e três deles, incluindo uma dúzia com mais de sessenta anos. Ao contrário do que se possa pensar, não era uma função fácil porque era preciso, todas as noites, informar o administrador de tudo o que se tinha feito ou visto fazer. O papel dos guardiões de propriedade não se cingia a proteger os campos contra os ladrões. Tinham igualmente de realizar múltiplas tarefas, como podar árvores, arrancar as ervas daninhas, colher o milho ou fabricar cordas com fibras de aloé conhecidas na Reunião como “choca” ou “cadère”. No tocante às mulheres, em geral, trabalhavam no pátio ou perto da casa dos senhores. A guardiã do hospital, que era também a enfermeira, era responsável tanto pelos cuidados aos doentes como pela supervisão das suas tarefas, incluindo a realização de sacos realizados com folhas de vacoa (Pandanus utilis).
As chicotadas, mencionadas por Charles Desbassayns nas suas Notes, constavam das penas aplicáveis aos guardas  e capatazes.

A grande maioria dos trabalhadores: uma especialização limitada e adaptada

Forno de uma fábrica de açúcar; Palanquin. Jean-Baptiste Louis Dumas. 1849.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião
Malabar; Noir de pioche (trabalhador do campo); Portador de água; Escrava ama de crianças; tocado de bobre (instrumento da família do berimbau); pipa de água. Jean-Baptiste Louis Dumas. 1849.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião
Mulher Pária ; Escrava crioula; Yambane ; Escravo crioulo; Escrava do campo. Jean-Baptiste Louis Dumas. 1849.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião

Em 1845, os chamados Noirs ou Négresses de pioche  (trabalhadores comuns) totalizavam quase 48% dos escravos com uma função definida. São, portanto, de longe a maior categoria dos trabalhadores. Levada à letra, a palavra «pioche» significa picareta e designava exclusivamente as pessoas que trabalhavam no campo, restando apenas, para operar a fábrica e garantir todo o serviço de transporte, os três trabalhadores e o único carroceiro mencionado no testamento de Madame Desbassayns (1845), que também menciona dezasseis mulas e trinta e nove bois com as suas carroças.
Além do número de guardas substancial (12,5% do pessoal servil), destaca-se uma forte representação do pessoal doméstico (10,5%)  e da categoria de pedreiros e carpinteiros (8,5%).

Engomadeira; escrava a cozinhar. Jean-Baptiste Louis Dumas. 1849.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião

No que diz respeito ao número de trabalhadores e carreteiros, os valores anormalmente baixos mostram que apenas uma pequena parte dos trabalhadores eram especializados. Uma vez que a agricultura e a indústria açucareira eram atividades sazonais, a gestão racional da mão de obra exigia que esta fosse adaptável, de modo a poder passar rapidamente e com a mesma eficiência de uma cultura para outra, dos campos à fábrica, do trabalho de produção para trabalhos de manutenção. As diretivas de Charles Desbassayns vão nesse sentido, preconizando a formação dos escravos no exercício de vários ofícios . A maioria dos trabalhadores comuns (Noirs de pioche) formava assim uma categoria muito mais social do que profissional, constituindo a camada mais baixa da comunidade servil.

Relações sociais baseadas na desconfiança e no medo recíprocos

Nas suas Notes, Charles Desbassayns considera que os escravos só trabalham bem se forem constantemente vigiados. Na sua opinião, a solução consistia em implementar uma organização rigorosa baseada na vigilância mútua constante, com controlos fortuitos e repetidos, várias sanções que iam desde chicotadas até à prisão, passando pelo trabalho domingueiro e a proibição de sair da propriedade. Incapaz de ver ou fazer tudo sozinho, o administrador devia «criar olhos em todo o lado, munir-se de pernas, ter um espírito e uma memória substitutos»  para que todos estivessem permanentemente prevenidos.

O administrador não devia tolerar qualquer omissão ou violação do regulamento. Charles Desbassayns surge assim como um empresário frio e metódico, apenas preocupado em tirar o melhor proveito de uma mão de obra submissa e totalmente instrumentalizada.

Com tais práticas, a atmosfera que prevalecia em toda a propriedade só poderia ser tensa e as relações sociais conflituosas já que se baseavam na desconfiança e no medo mútuos. Todavia, recomendava também ao administrador que não fosse demasiado duro com os escravos que desertavam por apenas alguns dias, aos quais se devia transmitir a força e coragem, em vez de recorrer aos grilhões ou ao encarceramento demasiadamente longo . Considerava que as práticas excessivamente duras poderiam desencadear o ciclo infernal das revoltas, fugas e sanções cada vez mais severas.

Uma vida quotidiana regulamentada
Escravos que os senhores desejavam ligar às suas terras

Local nos arredores da Rivière d’Abord. Jean-Baptiste Geneviève Marcellin Bory de Saint Vincent. 1801.
Coleção Museu Villèle

Não há qualquer descrição detalhada das habitações dos escravos de Madame Desbassayns. Tal como as cubatas dos trabalhadores contratados, que os substituíram após 1848, as suas eram provavelmente construídas com materiais recolhidos na propriedade: troncos ou ramos de diversas árvores, folhas de vetiver, palha de cana-de-açúcar e grandes ervas da savana para o telhado. Quanto ao seu vestuário, sabemos apenas que estavam vestidos «de acordo com o clima ameno de Bourbon» .

As cubatas serviam acima de tudo para abrigar o sono dos escravos que regressavam extenuados dos longos dias de labor. Todas as manhãs, ao som do sino, todos saíam do acampamento, com exceção dos dois guardas, e formavam grupos para se dirigirem ao seu local de trabalho. A disciplina era quase militar, como descreveu o Abade Macquet . As crianças eram confiadas a uma escrava doméstica (Négresse de cour) que, além de responsável pelo seu alegre grupo, devia também varrer toda a envolvente da mansão e garantir a limpeza dos arredores da fábrica. Quanto às amas, eram empregadas na manufatura, fabricando sacos para embalagem.

Ama sentada na relva com três crianças. Jean-Joseph Patu de Rosemont. 1818.
Coleção Arquivos departamentais de Ilha da Reunião

Ninguém tinha o direito de entrar no acampamento durante o dia. Toda a gente devia esperar pelo regresso dos outros grupos para regressarem às cubatas, depois de cada guarda, supervisor ou capataz ter efetuado o relato do seu dia ao administrador.

Em Notes, Charles Desbassayns especifica ainda que as refeições dos escravos, tanto adultos como crianças, eram preparadas coletivamente, ao almoço e ao jantar, numa cozinha para escravos localizada no pátio da casa principal da propriedade. As rações dos adultos eram levadas para os seus locais de trabalho e entregues aos responsáveis dos grupos. «Aos domingos entregam-nas aos negros em pessoa» .

Os escravos apenas podiam descansar aos domingos à tarde. Toda a manhã, até às 13h, tinham que realizar as labutas que consistiam em limpar tudo, principalmente a fábrica, mas também os outros edifícios de operações. Para Charles Desbassayns «este dia de esfrega e limpeza» ajuda a conservar neles o interesse, o apego e até a paixão pelo seu trabalho. Se nesse dia se colhessem as batatas, podiam ir buscar as que tinham sido esquecidas, porém sob a condição de para lá se dirigirem em grupo e deixarem a terra limpa após a sua passagem. O que se assemelhava a um favor era, na realidade, apenas uma forma de limpar os campos e prepará-los para a sementeira.

Os termos que o Abade Macquet emprega para descrever a saída dos escravos do acampamento, pela manhã, conferem-lhes a imagem de uma manada humana, dividida em grupos levados todos os dias ao seu local de trabalho, sob a ameaça do capataz . Na verdade, mais de um terço dos ocupantes deste acampamento de mão de obra viviam em família. O testamento de Madame Desbassayns permite enumerar cerca de cinquenta destes agregados que, por vezes, contavam várias crianças cujo total representava mais de 25% da população servil. Os homens e as mulheres com mais de dezasseis anos (69%) eram a grande maioria, contudo com uma boa representação dos maiores de sessenta anos (9%). Se também contarmos os vinte e oito escravos recenseados como doentes, fracos ou inválidos, constata-se uma proporção significativa de pessoas improdutivas, total ou parcialmente, na propriedade. Como resultado, todos tinham uma ocupação adaptada à sua idade ou condição física.

Os casais de escravos da propriedade estavam unidos religiosamente e as crianças que nasciam, recebiam o sacramento do batismo . Esses casamentos tornaram-se mais frequentes a partir de 1843, com a entrada em serviço da Chapelle Pointue. 

Decididas e organizadas pela Madame Desbassayns, estas uniões religiosas representavam a sua oportunidade para atribuir oficialmente aos escravos apelidos franceses. Ao procurar transmitir-lhes o significado e os valores da família, ela pretendia, sem dúvida, apegá-los à propriedade e aos senhores. Numa carta dirigida ao filho Charles, a 4 de outubro de 1821, ela expressou o seu receio de que os escravos fossem maltratados por administradores brancos inexperientes . Neste sentido, ela aplicava, se bem que de uma forma menos brutal, os mesmos objetivos que o filho Charles , designadamente a produtividade e rentabilidade da exploração, bem como a perenidade da sua empresa, na véspera da abolição da escravatura.

Madame Desbassayns morreu em 1846, dois anos antes deste acontecimento tão temido pelos senhores. O seu neto e sucessor, Frédéric de Villèle, parecia partilhar as suas preocupações: desde o mês de novembro de 1848 alforriou seis antigos escravos de confiança da avó, incluindo cinco capatazes, atribuindo-lhes o estatuto de guardas pessoais . Através desta dupla promoção, pretendia, incontestavelmente, estabelecer um quadro de gestão seguro e competente para futuros trabalhadores livres e garantir uma certa continuidade do funcionamento e da economia da propriedade.

Notas
[1] Abade Macquet Six années à l’Île Bourbon, Éditions Alfred Cattier, 1893, Tours, página 79. Para o autor, este principado tem «um Ministro do Interior, encarregado do acampamento (de escravos); um Ministro das Obras Públicas, que supervisiona a plantação, o cultivo de cana e o fabrico de açúcar; um Ministro das Finanças, responsável pelas receitas e despesas (...), um Ministro da Religião... ».
[2] Antoine Boucher, Mémoire pour servir à la connaissance de chacun des habitans de l’Isle Bourbon, seguido por Notes do Padre Barassin, Éditions ARS Terres Créoles, La Réunion, 1989, página 316.
[3] Arquivos departamentais da Reunião (ADR), C° 1919, Ata nº 86. Nesta ata, as dimensões são expressas em gaulettes, uma unidade de medição utilizada nas zonas rurais da Reunião até um período muito recente, o equivalente a 15 pés de 33 cm e que corresponde a 4,95 m, que por vezes é arredondado a 5 m.
[4] ADR, C° 1919. Esta ata N° 74 indica que, caso seja medido unicamente na sua base, o terreno «diminuirá em largura ou aumentará, bem como os dos concessionários vizinhos, na proporção em que os barrancos se abrem ou fecham por cima».
[5] Abade Meersseman. Historique de Saint-Gilles-Les-Hauts, ADR, bib 2126.
[6] Nome por vezes escrito Raux.
[7] A. Boucher, op. cit., páginas 47, 75, 185 e 316-317.
[8] La famille Panon-Desbassayns, À la mémoire de vieux colons français et de quelques-uns de leurs descendants, Boletim da Academia da Reunião, ano de 1928, volume 9, páginas 99-134.
[9] ADR, 6 M 708, folha de recenseamento.
[10] Arquivos Departamentais, cota 6 M 593. Foi esta ravina que lhe deu o nome.
[11] Boletim da Academia da Ilha da Reunião, volume 9, ano de 1928, página 109.
[12] ADR, 6 M 593.
[13] Danielle Baret, Monographie d’une habitation coloniale à Bourbon : la propriété Desbassayns 1770-1846, Paris, 1977, Universidade de Paris 1, ADR, 8J 15 ou 8J 61.
[14] Um texto da Companhia das Índias datado de meados do século XVIII indica que os terrenos costeiros, secos e arenosos são os mais propícios para a cultura do algodão, enquanto nas terras altas a produção é muito baixa e de má qualidade (ADR, C°2822).
[15] Auguste Billiard, Voyage aux colonies orientales, ARS Terres Créoles, Saint-Denis de La Réunion, 1990, página 65.
[16] Raymond Decary , Les voyages du lieutenant de vaisseau Frappaz dans les mers des Indes et à l’île Bourbon, Boletim da Academia da Reunião, volume 15, ano de 1938.
[17] Danielle Baret, Monographie d’une habitation coloniale à Bourbon, …, op.cit.
[18] ADR, L222/2.
[19] ADR, 6M708.
[20] Charles Desbassayns, Notes des Objets à Observer comme Moyens de Contrôle et de Surveillance, in Recueil de documents et travaux inédits pour servir à l’histoire des îles françaises de l’Océan Indien, ADR, janeiro de 1984, página 21. Ele pretendia que este cultivo proporcionasse metade dos víveres produzidos na propriedade.
[21] Documento intitulado Pieux Souvenir, Arquivos do Episcopado, cota 4B.
[22] Charles Desbassayns, Notes..., op.cit.
[23] Testamento de Madame Desbassayns, de 20 de junho de 1845.
[24] Charles Desbassayns Notes ..., op.cit., página 26.
[25] Ibid., página 22.
[26] Testamento de Madame Desbassayns.
[27] Categoria invejada porque, vivendo junto aos senhores, era por eles melhor tratada.
[28] Charles Desbassayns Notes ..., op.cit., página 29.
[29] Ibid., página 18.
[30] Charles Desbassayns Notes ..., op.cit., páginas 25, 26 e 33.
[31] Jean Baptiste de Villèle, Notice Biographique sur Madame Desbassayns, redigida em 1846, reedição do Museu histórico de Saint-Gilles-les-Hauts, 1992, página 45.
[32] Abade Macquet, Six années à l’Île Bourbon, op.cit. Nomeado vigário da paróquia de Saint-Paul no dia 1 de julho de 1844, por lá permaneceu durante seis anos e teve a oportunidade de vir muitas vezes a Saint-Gilles-les-Hauts. Para descrever a saída dos escravos do acampamento da propriedade, usava os termos esquadrões, decúrias e decuriões que evocavam os soldados da Roma antiga.
[33] Na propriedade de Ravine à Marquet, visitada por Billiard em 1817, este destaca que «o grupo corre para a cabana enfumaçada, onde o velho cozinheiro confeciona duas grandes marmitas, de ervilhas do Cabo e milho; cada Preto apresenta-se com um pedaço de cabaça, um prato de madeira, uma metade de coco de Praslin, ou apenas um bocado de folha de bananeira, para usufruir da distribuição».
[34] O Abade Macquet compara o acampamento a uma «verdadeira cidade obreira, atravessada em todas as direções por diversas ruas; todas as cubatas apresentam fachada para a rua, a fim de facilitar a vigilância».
[35] O livro de razão de Henri Paulin menciona isto já nos anos 1760. Arquivos privados da família, documento comunicado por Christel e Auguste de Villèle.
[36] Às vezes celebrados no mesmo dia, eram frequentemente meras formalizações de antigas uniões, tendo muitos dos novos cônjuges mais de 30-40 anos.
[37] «Seria um grande (tormento) para mim colocar-me nas mãos destes jovens que não têm experiência e que poderiam atormentar os meus negros». Arquivos privados da família, documento comunicado por Christel e Auguste de Villèle.
[38] Nas suas Notes (páginas 33-34), quando menciona a pequena criação familiar no acampamento, refere imediatamente as sanções a ela associadas: em caso de má conduta, é recusada a autorização ao escravo proprietário para ir vender o produto na cidade.
[39] OB 1848, página 591.
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Alexis MIRANVILLE

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