A escravatura

O "Code Noir"

O Code Noir
Autor
Laurent SERMET

Doutor em Direito
Instituto de Estudos Políticos de Aix-en-Provence


O Code Noir

Figura emblemática, na antropologia, o escravo é agrupado ao lado do louco e do proscrito . O seu triste privilégio é sofrer o que, hoje em dia, se qualifica juridicamente como discriminação e assenta em práticas de exclusão social.

Instituído nas ilhas de France (atualmente Maurícia) e Bourbon, em 1723, no início do reinado de Luís XV, o Code Noir  é a expressão jurídica de um sistema económico e social dedicado, nomeadamente, à exploração de açúcar — um recurso agrícola considerado com grande potencial de desenvolvimento. A partir de 1455, segundo se investigou, os portugueses teriam instigado o nascimento de um sistema comercial autónomo na ilha de São Tomé «onde se celebra o “matrimónio” da cana e do homem negro e aparece o modelo conseguido de uma sociedade esclavagista»  . Esse promissor sistema triangular passaria por sucessivas mudanças e deslocações geográficas no Brasil e nas Caraíbas, antes de ser aplicado no Oceano Índico.

O Código Negro, ou Édito… servindo como regulamento para o governo e administração da justiça, polícia, disciplina e comércio de escravos negros na província e colónia do Louisiana…
1727. Luís XV (rei de França; 1710-1774).
Coleção Biblioteca nacional de França

No Oceano Índico, podemos dizer que representou também um «facto social total», tal como o explica Emile Durkheim, na medida em que comporta várias dimensões: económica, social, civil, política, religiosa e jurídica. Em França, por mais descurada que pudesse parecer, a análise dos textos jurídicos conheceu um notável impulso com figuras doutrinais contemporâneas, como as de Jean-François Niort ou Louis Sala-Mollins, respetivamente historiadores de direito e filosofia.

A análise jurídica é um meio que nos permite compreender o fenómeno da escravatura, dada a importância que revestia a regra do direito nas relações sociais. Vários estados modernos regulamentaram a escravatura , testemunhando a mutação inicial do modelo económico e tendo como fundo comum a captação pela imposição da força de trabalho do escravo. Instituído em 1808 e revisto em 1825, o Código Civil do Luisiana explicita claramente esse elemento, distinguindo, no seu artigo 155.º, duas espécies de servos: os livres e os escravos . Por definição, contudo, a escravatura é muito mais do que uma redução da pessoa à sua força de trabalho imposta por terceiros. Embora o trabalho forçado seja a sua expressão, a escravatura é mais essencialmente uma condição da pessoa reduzida a um objeto pelo intermédio e pela execução da regra do direito.

No seu sentido mais estrito, o Code Noir limita-se ao texto de 1723, conhecido pelo título Lettres Patentes . No seu sentido mais lato, há que perceber as principais disposições jurídicas da escravatura no Oceano Índico que originaram este sistema de coisificação humana entre 1723 e 1848. A classificação atual distingue o Code Noir e o Nouveau Code Noir  (CN e
NCN) . A normatividade desses textos, componente da sua juridicidade ou qualidade vinculativa, será discutida antes de se considerar a linha de fundo das disposições. Historicamente, observamos quatro grandes etapas da legislação colonial em matéria de escravatura: o texto de 1723 organiza o domínio jurídico do senhor sobre o escravo; o Código Civil colonial de 1805 introduz a dualidade das liberdades mantendo, ao mesmo tempo, a escravatura; a legislação real da década de 1840 concede uma proteção acrescida do escravo e uma mediatização das suas relações com o senhor; operada pelo decreto de 27 de abril de 1848, a legislação posterior à abolição da escravatura indemniza o senhor despossuído. O Code Noir penal, que reserva um tratamento repressivo concreto e completa o Code Noir comum dá uma ideia da complexidade jurídica da escravatura.

A normatividade do direito da escravatura

A leitura do Code Noir e do Nouveau Code Noir permite perceber, sem sombra de dúvida, a natureza jurídica das suas disposições, seja a sua aptidão para regular de forma coerente as relações entre os senhores e os seus escravos, a sua capacidade de distinguir os destinatários dos direitos e obrigações, a sua preocupação de sancionar as violações desses direitos e obrigações. Não deixa dúvidas de que a intenção do legislador de 1723 consistia em organizar uma sociedade abertamente assente sobre considerações racistas, assegurando o domínio do homem branco sobre o homem negro, por meio da regra de direito. Quanto aos textos da Monarquia de Julho (1840-1848), se, por um lado, suavizam a condição jurídica do escravo, por outro, mantêm esta instituição jurídica. A evolução sensível do regime jurídico do escravo entre 1723 e 1840 caracteriza-se, nomeadamente, por uma tecnicidade e uma precisão crescentes, com tendência para subtrair o escravo à arbitrariedade do senhor. Esta vontade de subtração também se verificava no texto de 1723. Estes textos formam o que seria atualmente considerado direito de natureza positiva, ou seja, um direito em vigor num dado espaço territorial, a expressão de um ato de soberania do Estado. Por essa razão, além de indiscutível, o aspeto formal e tecnicista do direito da escravatura também será uma das expressões mais evidentes do fenómeno de antidireito, ou seja, um direito perverso e liberticida.

Novo Código Negro ou repertório de leis, portarias, decretos e despachos relativos ao regime dos escravos. De Lahuppe. 1846.
Coleção Arquivos departamentais da Reunião

A legislação antijudeus do Estado nazi, tal como a do apartheid, também pode ser qualificada de antidireito . Claro que não podemos comparar, sem a devida cautela, o estatuto dos Judeus ao dos escravos. Hannah Arendt, contudo, demonstrou que a retirada dos direitos comuns aos Judeus (direitos políticos, direito de propriedade) fora a primeira etapa da sua exclusão, que começara por ser jurídica e acabara no seu extermínio final . As obras de Danièle Lochak sobre o direito de Vichy prolongaram a problemática do antidireito , demonstrando, na melhor das hipóteses, a censurável indiferença da doutrina jurídica francesa relativamente à produção jurídica dos anos 1940-1944. Efetivamente, o direito e o seu comentário não são neutros. As pretensas ausências de cumplicidade e indiferença da doutrina positivista ao antidireito também são pouco convincentes . Podemos referir a ideia de que «só o direito, que tem a capacidade de modelar a realidade de acordo com uma lógica a priori, era suscetível de criar este monstro» , mas com uma reserva. Não é o direito em si que realiza a monstruosidade, mas a força política que a sustenta. O direito «contenta-se» em formalizá-la juridicamente, dando-lhe legitimidade. A análise jurídica contemporânea do Code Noir está sujeita a várias interpretações, opondo os defensores de uma inadmissibilidade radical àqueles que, apesar dela, pretendem fazer uma leitura jurídica de natureza científica .

A ausência de definição jurídica do escravo

Lettres patentes. 1723.
Coleção Arquivos departamentais da Reunião

As Lettres Patentes (LP) não dão uma definição jurídica ao escravo, no sentido dos critérios de identificação iniciais . De certa forma, podemos considerar friamente que existe uma falha de coerência no raciocínio do «jurislador» da época, uma vez que não se respeita a lógica jurídica: como atribuir um regime jurídico se não se sabe a quem ele deve aplicar-se… A qualidade do escravo, contudo, é reconhecida num determinado número de hipóteses acessórias.

Nem as Lettres Patentes, nem a legislação da Monarquia de Julho enunciam os critérios que definem o escravo. Em todo o caso, não existia uma disposição que definisse o escravo relativamente à sua aparência racial, ao contrário de como o direito sul-africano procedia na lei Population Registration Act, de 1950 (lei sobre a classificação da população) . De acordo com o Code Noir, o homem negro não é forçosamente escravo: pode ser alforriado ou nascer livre. O texto é, portanto, simplesmente declarativo da condição do escravo, como se a questão de saber quem era ou não era escravo fosse evidente na época ou, pelo menos, não fosse uma necessidade jurídica. Como o Code procura assegurar o domínio do homem branco, o escravo é, a priori, negro, mas não podemos excluir o mestiço, originário de uniões mistas — e, claro está, proibidas . Por fim, como o texto não prevê que uma pessoa considerada escrava possa ser alforriada por a sua tez ser branca, não podemos afastar a hipótese teórica de terem existido escravos brancos ou levemente mestiços. Na prática, os escravos eram recenseados, e a rúbrica «casta» descrevia a sua aparência. Alguns eram qualificados de cafres, malgaxes, crioulos ou vermelhos. Outros, eram classificados como «escuros-claros»… No seu todo, o Code Noir avalisa a condição jurídica do escravo sem a constituir. Num dado número de hipóteses, por exceção, as Lettres Patentes determinam a qualidade do escravo. Assim, o artigo V, dá duas séries de precisões. As crianças nascidas de uma união proibida serão sempre consideradas escravas sem possibilidade de alforria. Por outro lado, o homem negro, seja ele alforriado ou livre, que despose a sua escrava e a alforrie, tornará os seus filhos livres, nascidos ou por nascer. O artigo VIII, determina que os filhos de pais escravos nascerão igualmente escravos. Em virtude do artigo XI, a condição jurídica transmite-se de forma matrilinear. Uma mãe escrava põe no mundo filhos escravos e, por simetria, uma mãe livre, dá à luz filhos livres .

Por exceção, o Código Civil do Luisiana de 1825 define o escravo pela sua condição: «O escravo é aquele que se encontra sob o poder de um senhor a quem pertence; de tal forma que o senhor pode vendê-lo e dispor da sua pessoa, do seu ofício e do seu trabalho, sem que ele possa fazer o que seja, possuir o que seja, ou adquirir o que seja; tudo pertence ao seu senhor» (artigo 35.º). Prova de que a escravatura permanece um desafio contemporâneo, a Convenção internacional sobre a Escravatura concluída em Genebra, a 25 de Setembro de 1926, define a escravatura como «o estado ou a condição de um indivíduo sobre o/a qual se exercem todos ou alguns atributos do direito de propriedade» (alínea 1 do artigo 1.º). Já o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no caso Siliadin vs. França, de 26 de julho de 2005, teve de especificar as noções respeitantes ao trabalho forçado ou obrigatório, de servidão e de escravatura .

A negação do escravo como objeto de direito

Efetivamente, a escravatura consiste em desprover uma pessoa do seu livre-arbítrio para agir e em anular, tanto quanto possível, o seu livre-arbítrio para pensar, subordinando-a aos desejos exclusivos do seu senhor e dono, que faz dela um ser inferior. O facto odioso da escravatura ainda é mais grave quando assenta em considerações de ordem racial. O sistema jurídico não só admite por conta própria, em parte, essa realidade factual — uma vez que organiza, em prol do senhor, os meios desse domínio —, como também vai mais longe, utilizando a técnica jurídica para dissociar a pessoa dos seus direitos subjetivos. Por outras palavras, o escravo é uma pessoa sem direitos próprios e sem personalidade jurídica . Uma das grandes vitórias dos filósofos do Século das Luzes foi a associação de direitos — reconhecidos como iguais — a todas pessoas. Para Kant, liberdade alguma, no sentido do livre-arbítrio do sujeito, poderia prevalecer sem a igualdade de
direitos . Todavia, entre a proclamação de 1789 e 1848, levantar-se-iam muitos obstáculos para atrasar a instituição dessa nova ordem política nas colónias. No texto de 1723, por princípio e por essência, o escravo é um objeto de direito. Muito logicamente, não existe um estado civil para o escravo: o nascimento físico é dissociado da existência jurídica. É em 1848 que o comissário Sarda Garriga faz a união entre o real e o jurídico, tornando o estado civil universal . Em 1948, ou seja, um século depois, a Declaração Universal dos Direitos Humanos faz dele um direito do homem por inteiro: «Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica.» (artigo 6.º).

O exercício dos direitos dos quais o escravo pode ser destinatário recai sobre o proprietário, que é quem lhos provê. Por exceção e testemunhando a sua escravidão, o escravo é um sujeito de direito. O artigo XLVIII do Code é muito significativo, pois assemelha, no caso específico da ausência do proprietário, a situação do escravo à de uma coisa a proteger por um proprietário substituto (depositário ou outro), encarregado de gerir a coisa como «bom pai de família» e responsável pelos prejuízos devidos a má gestão.

Para agravar essa «coisificação», o artigo XXXIX informa que o escravo é um bem móvel, ou seja, um objeto de direito: «Os escravos são reputados móveis». O particípio passado «reputado», aqui utilizado como «ser tomado por», significa que os autores do código estão perfeitamente conscientes da necessidade de recorrer à ficção jurídica como instrumento de construção do direito a partir do qual tudo o resto deriva (a condição jurídica). Muito utilizado como técnica jurídica, o recurso à ficção jurídica também significa que não existe qualquer prova factual de que uma pessoa deva ser considerada como bem móvel. É, então, graças a essa ficção totalmente jurídica que se institui a legalidade e a legitimidade da escravatura.

Excecionalmente, o escravo é considerado um imóvel, em caso de venda, do fundo ao qual está vinculado (artigos XLIII, XLIV e XLV). Segue-se um regime jurídico consecutivo de um certo rigor lógico. O escravo é submetido ao regime de direito comum dos bens móveis (Ordonnance et Coutume de Paris: artigo XL). O escravo pode ser vendido, mas a mulher, o marido e os filhos impúberes não podem ser separados (artigo XLII). Caso se veja privado do seu escravo e o denuncie, o senhor terá direito a uma indemnização (artigo XXXV). Objeto, não sujeito de direito, o escravo não pode ter propriedade sobre si próprio, nem sobre os seus filhos ou o seu trabalho, pois tudo isso pertence de jure ao seu senhor. Em virtude do artigo XXI, o escravo sofre de uma incapacidade de dispor do que seja e de uma incapacidade de usufruir de propriedade, o que é relativamente lógico, uma vez que se trata de prerrogativas jurídicas reconhecidas a um proprietário. Ele não pode ser considerado civilmente responsável por atos cometidos sob as ordens do seu senhor.

Em bom rigor, existe um regime de proteção do escravo. É um dos pontos centrais do debate doutrinal: será que podemos falar desse texto com tendo uma função de «intermediação» entre o senhor e a sua coisa, sem lhe dar, consequentemente, uma legitimidade retrospetiva? É uma proposta a ponderar, porque, na Reunião e nas Maurícias, ainda se ouve muito dizer que a escravatura não foi assim tão brutal, que os proprietários eram, na sua maioria, pobres e tinham de alugar os seus escravos para sobreviver. A proposta merece ser analisada com precaução e convida a aprofundar os estudos que, até agora, pouco avançaram no tema da dupla alienação — a do senhor e a do escravo — como efeito da política de desenvolvimento colonial do Estado real.

Seja qual for a sua amplitude, essas modalidades de proteção nunca transformam o escravo num sujeito de direito, limitando-se a recordar a sua qualidade de coisa específica de que convém cuidar, tal como convém cuidar de um animal ou de uma casa para sua conservação. Tanto assim é que o escravo é incapaz de reivindicar por si próprio os seus direitos: ele é um credor sem personalidade jurídica. Os seus direitos incluem, nomeadamente, a instrução religiosa (artigos I e seguintes) — mas será isso um direito ou uma obrigação, um meio de expandir o domínio da religião católica do Estado através do mundo? Também abrangem a obrigação de sustento na velhice, na doença ou noutra situação e a obrigação de pagar uma determinada soma ao hospital mais próximo (artigo XX). O repouso nos feriados é instaurado (artigo IV). Em todos os casos, esses direitos recaem sobre a diligência do senhor, contra o qual o escravo não pode depor (artigo XXII). O único recurso que se reconhece ao escravo é a faculdade de depositar a sua «memória» nas mãos do procurador, em caso de atentado à obrigação de sustento (artigo XIX). Esse procedimento consiste em informar o procurador, mas a força dessa informação é acessória, pois não pode, logicamente, equivaler a um depoimento. Por fim, o artigo XXXVIII prevê a repressão do senhor que tenha mutilado, ou, até, matado, o seu escravo. É claro que este poderá ser indultado, no fim de um processo simplificado.

A única parte do Code que reconhece o escravo como sujeito procura, na realidade, alicerçar a sua condição servil. Segundo o artigo XXV, em matéria criminal, ele pode ser alvo de um processo e sujeito às mesmas formalidades que qualquer pessoa livre. Já o casamento e a alforria dependem do senhor. Nessas condições, como podemos nós não concluir que se trata de uma norma jurídica desumana, que expressa relações de domínio caras à sociedade colonial?

Infelizmente, parece que pouco ou nada aprendemos com a história. É muito difícil aceitar que ainda hoje existam tantas figuras de exclusão. Mesmo as sociedades modernas que se vangloriam da sua tolerância — como a França, que tanto se gaba da sua experiência revolucionária fundada sobre a descoberta de um paradigma de universalidade dos direitos do homem — têm as suas contradições, os seus limites e os seus excluídos: os migrantes, os pobres, os portadores de deficiência… É verdade que as coisas evoluíram. A interdição geral, como uma proibição, é um dado adquirido. É o que faz a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: interdiz tanto a escravatura como o tratamento desumano e degradante. O estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998 incrimina a sua prática. Os códigos penais nacionais censuram e incriminam essas práticas. É verdade que a escravatura já não é legal; já não é admissível estabelecer que uma pessoa é legalmente o objeto ou o bem de outra.

Não devemos descurar o contributo da análise retrospetiva do Code Noir para melhor compreender a escravatura contemporânea cuja recorrência é manifesta e que assume formas idênticas, nomeadamente, na exploração sexual, na prostituição e na pornografia . Estas formas que teríamos dificuldade em qualificar como novas  são, apesar de tudo, facilitadas, não só pelas recorrentes práticas predatórias, mas também pela mundialização das trocas.

 

Notas
[1] Para as figuras do proscrito, do louco e do escravo: ver Dossier coletivo, Revue Droit et Cultures, 41, 2001/1, p. 65-141.
[2] O Código Negro. (N. da T.)
[3] Ver Catherine Coquery-Vidrovitch, Les Routes de l'esclavage: Histoire des traites africaines VIe-XXe siècle, Albin Michel, 2018, 288 pp., (obra de cariz pedagógico) a complementar com abordagens mais científicas: Olivier Grenouilleau, Les traites négrières: Essai d'histoire globale, Folio, Poche, 2006, 736 pp, e Alain Testard, L'institution de l'esclavage: Une approche mondiale, Gallimard, Paris 2018, 384 pp.
[4] Permitimo-nos remeter a Lauren Robel e Elisabeth Zoller, Les états des Noirs, PUF, coll. Béhémoth, Paris 2000, 115 pp, que descreve o direito da escravatura nos Estados Unidos e associa as dificuldades da sua solução ao federalismo institucional.
[5] O artigo 155.º do título VI, Du Maître et du serviteur, do Código Civil, dispõe o seguinte: «There are in this State two classes of servants, the free servants and the slaves».
[6] Cartas Patentes (N. da T.)
[7] Novo Código Negro (N. da T.)
[8] As Lettres patentes de 1723 são uma transposição, quase completa, nas ilhas de France e de Bourbon, do Code Noir aplicado nas Antilhas. Luís XV decidiu essa extensão: «para a conservação dessas colónias, de lá estabelecer uma lei e certas regras para manter a disciplina da Igreja Católica Apostólica e Romana e para ordenar no que respeita ao Estado e à qualidade dos escravos.» Durante a Monarquia de Julho, sob um rei «humanista» (Luís-Filipe), o conjunto de textos adotados formam o novo Code Noir. Este compõe-se de um conjunto de textos que o fazem perder a qualificação formal de Código. Para os textos, ver Nouveau Code Noir ou Répertoire des lois, ordonnances, décrets et arrêtés concernant le régime des esclaves, , Typographie de Lahuppe, Saint-Denis, Ile Bourbon 1846, 50 pp.
[9] Droit et démocratie en Afrique-du-sud, Atas do Colóquio de Saint-Denis de La Réunion, dezembro de 1999, sob a direção de L. Sermet, L’Harmattan, Paris 2001.
[10] Hannah Arendt, Crises de l'État-nation : pensées alternatives, Sens et Tonka, Paris 2007, 377 pp. No capítulo intitulado «Le déclin de l'Etat-nation et la fin des droits de l'homme (Origines du totalitarisme)», encontramos as seguintes propostas: «A grande infelicidade dos sem-direitos (principalmente, os refugiados e os apátridas, para sermos mais precisos) não é serem privados da vida, da liberdade de opinião – fórmulas que se supunha resolverem os problemas no seio de comunidades específicas –, mas deixarem de pertencer a uma comunidade. O seu problema não é a desigualdade perante a lei, mas a inexistência de leis a seu respeito; não é a opressão que sofrem, mas a descontração com que todos os oprimem. É apenas na última etapa de um processo relativamente moroso que o seu direito à vida se vê ameaçado; é unicamente caso se tornem perfeitamente «supérfluos», caso não apareça ninguém para os reclamar, que as suas vidas poderão vir a correr perigo. Mesmo no caso dos nazis, o extermínio dos judeus começara com a privação seu estatuto jurídico (o estatuto de cidadão de segunda classe), isolando-os do resto do mundo dos vivos, fechados nos guetos e campos de concentração; antes de fazer funcionar as câmaras de gás, os nazis tinham estudado cuidadosamente a questão e descoberto, para sua grande satisfação, que país algum, reclamaria aquelas pessoas. O que convém saber é que a privação total dos direitos antecedeu largamente a contestação do direito à vida.»
[11] Ver, por exemplo. «Écrire, se taire... Réflexion sur la doctrine française», in Le Genre Humain. Le droit antisémite de Vichy, Le Seuil, Paris 1996, n.° 30-31, pp. 433-462.
[12] Michel Troper, «Le positivisme et les droits de l’homme», Frontières du droit, critique des droits. Billets d’humeur en l’honneur de Danièle Lochak, LGDJ, Paris 2007, pp. 359-362, sp. p. 360: «a crítica feita aos positivistas de ter pregado a obediência incondicional ao direito, fosse qual fosse o seu conteúdo, também é historicamente injustificada... Quando à crítica à indiferença, é certo que, apesar de não recomendar a obediência, o positivismo também não defende a resistência. Entretanto, ao não formular um julgamento moral ou de prescrição, torna os seus julgamentos possíveis».
[13] Jean-Marie Denquin, «Le droit antisémite est-il un droit?», Frontières du droit, critique des droits. Billets d’humeur en l’honneur de Danièle Lochak, LGDJ, Paris 2007, pp. 55-59, sp. p. 59.
[14] Leremos com interesse as posições que opõem o filósofo Louis Sala-Molins e do historiador Jean-François Niort, que responde à sua tribuna. Ver o segundo «Le ‘Code Noir’ est bien une monstruosité», Le Monde, 17 de julho de 2015 e o primeiro «Le Code Noir, une monstruosité qui mérite de l’histoire et non de l’idéologie», Le Monde, 15 de setembro de 2015.
[15] Sobre a definição jurídica da escravatura: Alain Testart, L’Esclave, la dette et le pouvoir, Errance, Paris 2001, 238 pp. Para A. Testart, «trata-se de uma “instituição” que, insiste, não é referenciável nem pelo direito de alienação nem pela utilização que se faz do escravo, mas pelo facto de este último ser sempre excluído de pelo menos uma das dimensões sociais fundamentais da sociedade em que vive, seja a cidadania, a parentela ou a comunidade religiosa, e servir para benefífio de outros. Para o autor, é importante não confundir condição e estatuto, porque «nunca é o facto que define o escravo, é o direito»: ver Gilles Holder, «Comptes rendues», in L’Homme. Revue française d’anthropologie, 2003.347. Ver também nessa mesma obra, Charles de Lespinay, «Compte rendu», Revue Droit et Cultures, 43, 2002/1, pp. 231.
[16] Population Registration Act, 1950, Government Gazette (Jornal oficial da República Sul Africana), página 275.
[17] Ver Laurent Benoiton, «La prohibition des unions mixtes à l’île Bourbon. Scolie sur une société divisée par le droit», Revue de la recherche juridique. Droit prospectif, 2007/2, pp. 955-961. O autor mostra a impotência, apesar da sua intenção delcarada, da lei de interdir as relações pessoais entre brancos e negros.
[18] Tel est aussi le sens de l’article 183 du Code civil de Louisiane de 1825 : « Os filhos nascidos de uma mãe escrava, casada ou não, herdam a condição da mãe; consequentemente, são escravos como ela, e pertencem ao dono da mãe.». O art. 196.° completa : « A criança nascida de uma mulher depois de ela ter adquirido um direito absoluto à liberdade futura herda o direito da sua mãe, e torna-se livre no momento fixado para a sua emancipação, mesmo que ela morra antes desse tempo».
[19] O trabalho forçado obrigatório designa «todo o trabalho ou serviço exigido a um indivíduo sob a ameaça de uma qualquer pena e o qual o referido indivíduo não se dispôs a realizar de livre e espontânea vontade» (sentença Siliadin contra a França, § 116). A servidão é uma «forma de negação da liberdade particularmente grave» ou ainda pode ser «interpretada como uma obrigação de prestar serviços sob coação, devendo ser relacionada com a noção de “escravatura” que a precede» (sentença Siliadin contra a França; § 123-124). O Tribunal retoma a definição da Convenção de 1926 para qualificar a escravatura (sentença Siliadin contra a França; § 122).
[20] O regime jurídico do escravo no Luisiana (Código Civil de 1825) vai neste sentido: - art. 173.º: «O escravo está totalmente sujeito à vontade do seu senhor»; - art. 174.º: «O escravo é incapaz de celebrar qualquer tipo de contrato»; - art. 175.º: «Tudo o que o escravo tem pertence ao seu senhor»; - art. 176.º: «Ele não pode transmitir o que seja por sucessão ou seja por que meio for»; - art. 177.º: «O escravo é incapaz de exercer qualquer cargo ou função pública ou privada».
[21] Frédéric Worms, Droits de l’homme et philosophie. Une anthologie, Presses Pocket, s.l. 1993, pp. 212-213.
[22] A 8 de novembro de 1848, o Comissário geral da República, Sarda Garriga, assinou um decreto relativo à inscrição de pessoas não livres nos registos especiais destinados a estabelecer a identidade de cada indivíduo, Bulletin officiel de l'île de la Réunion, 1848.554. O decreto baseia-se em dois fundamentos, cujo conteúdo vale a pena citar: «Considerando que é importante para a manutenção da ordem e a preservação dos direitos de indemnização dos proprietários, organizar a inscrição geral de pessoas não livres em registos especiais capazes de estabelecer a identidade de cada indivíduo de uma determinada maneira; considerando que é também necessário que cada pessoa que será registada receba um nome patronímico que possa estabelecer a sua individualidade». É completado por um decreto de 23 de Abril de 1849 relativo às declarações de nascimento dos filhos de ex-escravos, omitido desde a formação dos registos de matrícula: Bulletin officiel de l'île de la Réunion, 1849.277 O notável avanço do texto de 1848 consiste em fazer coincidir o nascimento físico e o nascimento legal, associando a pessoa física à personalidade jurídica. Antes desta data, havia uma dissociação entre os dois. De facto, era necessário fazer uma distinção clara entre o estado civil, que constituía a personalidade jurídica do indivíduo, e o recenseamento da população escrava nas colónias, que não tinha qualquer efeito legal sobre o escravo: decreto do rei relaivo aos recenseamentos das colónias, 4 de agosto de 1833, Bulletin officiel de l'île Bourbon, 1833.239. O artigo 1.º do decreto permite-nos verificar estas declarações: «A partir de 1 de janeiro de 1834, as declarações do recenseamento, que são submetidas anualmente à administração municipal das colónias, e afirmadas pelos senhores dos escravos ou os seus procuradores, devem indicar os apelidos, nomes próprios, idade, sexo e casta dos indivíduos; os sinais particulares que os tornam reconhecíveis, e o tipo de trabalho em que estão empregados. Devem mencionar individualmente, e por data, as circunstâncias que, desde o censo anterior, produziram aumentos ou diminuições no número total de escravos. No caso de aquisições ou perdas por compra, venda, sucessão ou doação, as declarações devem indicar as datas, assim como os nomes das pessoas que compraram ou adquiriram, ou que venderam, doaram ou legaram». Um segundo decreto completa este primeiro texto: o decreto do rei relativo aos recenseamentos, de 11 de junho de 1839, Bulletin officiel de l'île Bourbon, 1839.262.
[23] Florence Massias, «L’esclavage contemporain: les réponses du droit», Revue Droit et Cultures, 39, 2000/1, p. 101-124. A autora chama a atenção para a pobreza do direito francês em relação à repressão da escravatura, para a qual não tem uma definição nem uma categoria de crime específico. Ver também o dossier Esclavage moderne ou modernité de l’esclavage?, in Cahiers d’études africaines, n.° 179-180, sob a direção de Roger Botte, de Françoise Vergès, «Travail contraint et esclavage. Utilisation et définitions aux différentes époques».
[24] Ver Pascal Blanchard , Nicolas Bancel, Gilles Boetsch, Dominic Thomas, Christelle Taraud (dir.), Leïla Slimani (Posfácio), Achille Mbembe (Prefácio), Jacques Martial (Prefácio), Sexe, race & colonies, La Découverte, Paris 2018, 544 pp.
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Laurent SERMET

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