O tráfico de escravos

A origem dos escravos de Bourbon

Qual era a origem dos escravos de Bourbon?
Autor
Jean-Marie DESPORT

Historiador


Qual era a origem dos escravos de Bourbon?

Atualmente considerado como um insulto à civilização e qualificado como um «crime contra a humanidade» por muitos Estados , chocando algumas boas almas já na Idade Moderna , a prática do comércio de escravos era filha do seu tempo. Este comércio chegando a ser praticado em nome do rei, este comércio abençoado pela Igreja , constituiu no século XVIII uma força motriz da economia, em Bourbon como em qualquer outro lugar .

O tráfico de escravos em Bourbon começou pouco depois do início da colonização permanente da ilha , numa altura em que os europeus já enviavam escravos para a América há mais de um século e meio . Os escravos eram oriundos de uma grande variedade de regiões, tal era a necessidade de mão de obra  : às contribuições secundárias resultantes do comércio ao longo da rota para a Índia, logo se acrescentou um tráfico de escravos regional, que rapidamente se tornou essencial, sendo que Madagáscar e a costa oriental de África forneciam a grande maioria dos escravos de Bourbon no século XVIII.

Aurore, navio de escravos de 1784. 1998.
Coleção Museu Villèle

Ao longo da rota da Índia

A partir da África Ocidental

O comércio de escravos da costa ocidental de África para Bourbon no século XVIII

A partir de 1702, alguns escravos vindos aleatoriamente da África Ocidental foram ocasionalmente trocados  por navios «interlopes»   (contrabandistas), e depois vendidos em Bourbon; o número destes escravos era então irrisório .
Embora os considerasse «excessivamente caros», a Companhia das Índias francesa mandou então transportar africanos ocidentais para Bourbon: 200 escravos vindos de Ajudá  em 1729, 76 e 188 escravos da Goreia  em 1730 e 1731 respetivamente .

 

Comerciante de escravos de Goreia. Labrousse. 1796.
Coleção Museu Villèle

Este tráfico, proibido em 1731, foi novamente autorizado em 1737 por Mahé de La Bourdonnais  tendo sido parcialmente retomado de 1739 a 1744.
De seguida, as importações regulares cessaram, e isto apesar dos múltiplos pedidos dos administradores de Bourbon: os últimos africanos ocidentais chegaram a Bourbon em 1767.

A partir da Índia

O comércio de escravos da Índia para Bourbon nos séculos XVII e XVIII

A partir do final do século XVII, os escravos foram por vezes também trazidos da Índia em navios que regressavam à metrópole  . As chegadas tornaram-se mais abundantes a partir de 1728; Pierre-Benoît Dumas  foi para Pondicheri  em 1729, onde testemunhou o recrutamento de escravos. Interrompido de 1731 a 1734, o comércio foi retomado sob Mahé de La Bourdonnais, sendo que centenas de escravos chegaram a Bourbon vindos de Pondicheri. Após 1767, alguns «tratantes»  de Bourbon tinham correspondentes em Pondicheri e Chandernagor , enviando navios de escravos de Bourbon para Goa.

Todavia, as guerras entre a França e a Grã-Bretanha  infligiram um golpe quase fatal a este tráfico: no final do século XVIII, era apenas ocasional. No entanto, a sua memória serviu de referência para a contratação  de mão de obra barata em meados do século XIX.

A partir de Madagáscar

O comércio de escravos de Madagáscar para Bourbon no século XVIII

As condições do comércio de escravos malgaxe

Madagáscar foi muito cedo uma fonte de comércio de escravos: já no século X, e talvez mesmo antes, os Muçulmanos faziam o aprovisionamento de escravos nesse território; bem como os Portugueses no século XVI, e os Holandeses e os Ingleses no século XVII. Entre 1685 e 1726, os piratas estabelecidos no norte da Ilha Grande forneceram escravos ocasionalmente a Bourbon.
Ensejando por desenvolver Bourbon, a Companhia das Índias francesa assumiu este tráfico em 1717: Madagáscar, que era supostamente território francês, era a fonte de escravos mais próxima de Bourbon.
Com as convulsões revolucionárias, os regulamentos comerciais foram substituídos por legislação política. Restringido de 1789 a 1794, proibido de 1794 a 1802, depois novamente autorizado, este comércio foi interrompido pelas intervenções britânicas em Madagáscar (1810-1811).

Três lugares de comércio de escravos sucessivos

Num relatório endereçado aos diretores da Companhia em 1681, o ex-comandante Régnault  recomendava o aprovisionamento de escravos malgaxes noutro lugar que não no sul da Grande Ilha.

No século XVIII, o norte da costa oriental de Madagáscar serviu de verdadeira «reserva de caça» para as Mascarenhas; dotado de excelentes ancoradouros, oferecia importantes recursos humanos: os Betsimisarakas, os «cafres»   que, após terem atravessado a ilha pé, foram desembarcar no noroeste da mesma, e por fim os Merinas.
Assim, de 1720 a 1735, a maioria dos escravos malgaxes de Bourbon provinham de Antongil; porém, devido à profusão de escravos trazidos dessa região, os efetivos escassearam em meados do século XVIII.

Em 1758, Foulpointe tornou-se o centro oficial do comércio de escravos, onde se fundou um posto sumariamente dotado de lojas, uma casa de negros, cubatas e barracões. O declínio de Foulpointe ocorreu em 1791, quando o rei Yavi . morreu. Em 1797, os britânicos destruíram a paliçada do posto de comércio; o tráfico de escravos foi então reduzido a algumas cabeças.

A predominância de Tamatave, até então um local de comércio de escravos secundário, começou entre 1798 e 1801. Embora Tamatave não oferecesse mais do que um perigoso ancoradouro como porto de abrigo, e os terrenos pantanosos causassem por vezes febres, tratava-se do ponto de chegada ao mar dos escravos Merina, vindos das terras altas. Em 1807, o capitão geral dos estabelecimentos franceses no Oceano Índico, Decaen, designou o principal agente comercial cuja autoridade ia «da baía de Antongil até Mananzary (Mananjary)». Tamatave, contudo, nunca teve a mesma importância que Foulpointe. Além disso, a partir de 1811, os britânicos forçaram os franceses a evacuar os seus entrepostos malgaxes.

A partir da costa oriental de África

O comércio de escravos da costa oriental de África para Bourbon no século XVIII

Primeiro, a partir de Moçambique

Mapa da baía de Moçambique. Jacques-Nicolas Bellin. Por volta de 1750.
Coleção Museu Villèle

Assim que Colbert criou a Companhia francesa para o comércio das Índias orientais (1664), os seus diretores começaram a interessar-se pela costa oriental de África. Todavia, devido à falta de recursos, nenhuma expedição foi empreendida para esta região ainda pouco conhecida. De tempos a tempos, os marinheiros portugueses vendiam alguns escravos da África Oriental aos colonos de Bourbon .
Em 1721, o vice-rei da Índia portuguesa  foi obrigado a arribar em Saint-Denis, vítima de piratas , sendo repatriado para Portugal por um navio da Companhia das Índias. Em agradecimento, prometeu escrever às autoridades de Moçambique, a fim de facilitar o comércio de escravos para Bourbon. No entanto, a primeira troca revelou-se uma deceção devido à pesada perda de vidas durante a viagem.

Mahé de La Bourdonnais foi responsável pelo comércio de escravos sistemático realizado entre Moçambique e Bourbon: todos os anos, duas expedições forneciam várias centenas de escravos. Proibido de 1746 a 1750, este tráfico foi retomado no final da era da Companhia , aproveitando cumplicidades no seio da administração portuguesa, a quem, todavia, incumbia reservar o envio dos Negros de Moçambique para o Brasil. As fontes do comércio de escravos deslocaram-se então para norte: Sofala e Moçambique foram abandonados a favor das ilhas Quirimbas, à medida que os entrepostos muçulmanos começavam a ser frequentados.

África Oriental, a principal fonte de escravos para Bourbon

Caravana de escravos. Em «Aventures de six français aux colonies». Gaston Bonnefont. 1890.
Coleção Museu Villèle

A costa oriental de África superou quantitativamente Madagáscar desde os últimos anos da Companhia, e no início do período real, o número de «cafres» desembarcados nas Mascarenhas já era cinco vezes superior ao dos malgaxes.

Nas possessões portuguesas, o tráfico era alimentado pelos Yao que vendiam no litoral aqueles que tinham capturado na região interior do lago Niassa .

De Cabo Delgado ao Golfo de Aden, a costa africana estava teoricamente sob a suserania do sultão de Mascate; de facto, os poderes locais eram praticamente independentes , o que tornava este comércio incerto. O tráfico desse território para Bourbon começou em 1754, tornou-se regular após o fim do monopólio da Companhia, e atingiu o seu auge por volta de 1785-1790, período durante o qual os escravos eram mais baratos do que em Moçambique. Difícil de localizar (em muitos casos, dizia-se que os navios vinham da «costa de África» sem qualquer outra precisão), este comércio era realizado nos vários entrepostos comerciais muçulmanos que ponteavam as costas das atuais Tanzânia, Quénia e Somália, desde Lindi no sul até Mogadíscio no norte, com Quiloa como centro principal entre 1770 e 1794, e depois Zanzibar a partir de 1802.

O mercado de escravos em Zanzibar. Emile Bayard.
Coleção Museu Villèle

O comércio de escravos clandestino do século XIX

No início do século XIX, Bourbon voltou-se para a economia do açúcar , uma cultura e indústria devoradoras de escravos , no preciso momento em que o comércio de escravos era proibido e a escravatura ameaçada.

A 8 de janeiro de 1817, Luís XVIII decretou a proibição do comércio de escravos; Bourbon já não podia opor-se abertamente à sua metrópole , já que este decreto foi registado a 27 de julho de 1817. Porém, confrontado com o medo obsessivo da falta de mão de obra, Bourbon passou à clandestinidade  sendo que cerca de 50 000 novos escravos foram trazidos ilegalmente para a ilha, a grande maioria deles entre 1817 e 1831 .

O início da luta contra o tráfico de escravos (1817-1825)

A partir de 1817, foram levados a tribunal casos de tráfico de escravos. Embora o Governador Milius  tenha feito de Bourbon a colónia francesa onde as detenções por tráfico de escravos eram as mais consideráveis, e implementado, com as autoridades das Maurícias, uma coordenação de luta contra os traficantes de escravos , os magistrados de Bourbon raramente os condenavam .

O estabelecimento de uma infração de tráfico de escravos não era fácil. Era necessário identificar os navios, sendo que quando eram utilizados no tráfico de escravos, eram muitas vezes anónimos. A inspeção de um navio antes do carregamento de cativos ou depois de os descarregar era de pouca utilidade e surpreender um esclavagista no mar podia fazer com que o capitão atirasse a sua carga humana borda fora. Deter um traficante de escravos só era possível no momento exato da entrega  ; contudo os traficantes operavam de preferência à noite, em locais pouco vigiados por serem perigosos

Comerciantes de escravos árabes a lançarem escravos borda fora para evitarem a detenção. Século XIX.
Coleção Museu Villèle

A busca de novos escravos na ilha provocou a indignação dos colonos: segundo eles, tratava-se de perseguir os habitantes, de entravar o trabalho, de instigar sobremaneira um espírito de revolta entre os escravos.

O tempo da hesitação (1826-1831)

Michel Eusèbe Mathias Betting de Lancastel, diretor-geral do Ministério do interior desde outubro de 1826, tentou impedir o tráfico. Por outro lado, o governador de Cheffontaines  foi muito menos atento a esta matéria.
A opinião pública era esmagadoramente a favor do tráfico. A população branca viu nisso uma forma de realizar uma espécie de «façanha», desafiando o aparelho do Estado, realizando operações financeiras altamente lucrativas e assegurando o funcionamento económico da ilha.

As desvantagens do tráfico eram, no entanto, cada vez mais evidentes. Eram de foro político: a autoridade da administração estava comprometida em Bourbon; o fosso entre a metrópole e a sua colónia estava a aumentar; a pressão diplomática do Reino Unido sobre a França também . Eram de foro sanitário: a ausência de quarentena à chegada era prejudicial para os novos escravos, e mesmo para toda a população da ilha . Eram de foro moral: o tráfico tinha-se tornado ainda mais atroz ao tornar-se clandestino. A bordo de navios mais pequenos, a sobrelotação era indescritível  enquanto todas as conveniências suscetíveis de trair a natureza humana da carga tinham desaparecido ;

Barco de escravos, corte teórico, para mostrar o amontoamento de escravos infelizes agachados e escondidos entre os soalhos. Em «La traite des nègres et la croisade africaine comprenant la Lettre Encyclique de Léon XIII sur l’esclavage, le discours du Cardinal Lavigerie à Paris,….» Alexis-Marie Gochet. 1889.
Coleção Museu Villèle

a taxa de mortalidade dos cativos aumentou tanto no mar como à chegada, devido a afogamentos provocados por transbordos noturnos apressados. Tudo isto alimentou as campanhas dos abolicionistas em França metropolitana.

A extinção de um comércio agora seriamente reprimido (1831- ?)

Com a Monarquia de julho, o comércio já não era considerado um crime, mas sim um delito. A lei de 4 de março de 1831, promulgada em Bourbon a 26 de julho, previa, para além da apreensão do navio e da sua carga, pesadas penas de prisão ou trabalhos forçados para oficiais, tripulações, armadores e seguradores de navios escravos, bem como a prisão de vendedores, recetores e compradores de novos escravos

Em Bourbon, a última condenação por tráfico (a trigésima desde 1818) teve lugar em 1832.
Todavia, isto também pode significar que o comércio era apenas mais bem ocultado . A diminuição demasiado lenta do número de escravos após 1831 indica que um tráfico residual já durava há anos. Segundo Hubert Gerbeau, cerca de 4500 escravos foram desembarcados clandestinamente em Bourbon entre 1832 e 1835; Hai Quang Ho estima que no período 1836-1847 houve cerca de 5000 introduções ilegais, e foram relatadas formas de tráfico na Reunião depois de 1848.

Bourbon não carecia de fornecedores para o comércio de escravos clandestino do século XIX. Segundo Serge Daget, entre 1815 e 1832, 43% dos novos escravos de Bourbon cuja origem pôde ser estabelecida provinham da costa oriental de África (25% de Zanzibar), 36% de Madagáscar (principalmente Tamatave), 15% da costa ocidental de África (mais precisamente de Bonny, na região do Delta do Níger) e 6% da região do Cabo.

Desde o século VII, o tráfico de escravos (da África ocidental, oriental e interior) transformou mais de 40 milhões de seres humanos em mercadoria, sendo que ainda são praticadas formas residuais de tráfico no mundo muçulmano.

O tráfico de Bourbon representa, portanto, apenas uma ínfima parte em termos quantitativos. Por outro lado, este mesmo tráfico foi um dos principais motores do crescimento demográfico da ilha. E a grande diversidade das origens geográficas dos escravos de Bourbon, herança de um passado doloroso, é obviamente um dos fatores da importante riqueza étnica da atual população da Reunião .

Notas
[1] Incluindo a República Francesa («A República Francesa reconhece que o tráfico de escravos (...) e a escravatura (...) constituem um crime contra a humanidade.» Lei de 21 de maio de 2001, artigo 1.°).
[2] «Não sei se o café e o açúcar são necessários para a felicidade da Europa, mas sei que estas duas plantas causaram a desgraça de duas partes do mundo» escreveu Jacques Henri Bernardin de Saint-Pierre em 1769 na sua «Voyage à l'isle de France, à l'isle Bourbon, au cap de Bonne-Espérance(...) par un officier du roi» (carta XII). Redigido por um escritor com conhecimento pessoal das colónias de plantação francesas, este livro foi a primeira crítica à escravatura a ter um impacto genuíno na opinião francesa. Algumas pessoas já falavam do «tráfico infame» no final do século XVIII.
[3] Renunciando aos princípios da Igreja primitiva, o Papado tinha, já em 1454, legitimado o comércio praticado pelos seus fiéis aliados portugueses em direção às ilhas do oceano Atlântico próximas da Europa: pela bula «Romanus pontifex», o Papa Nicolau V autorizou o rei de Portugal a reduzir à escravidão perpétua os «sarracenos, pagãos, e outros inimigos de Cristo.» Foi apenas em 1839 que o Papa Gregório XVI condenou oficialmente o tráfico de escravos.
[4] O século XVIII foi, de longe, o grande período do tráfico de escravos do Atlântico. Paradoxalmente, o comércio de escravos ocidental atingiu o seu auge na Era do Iluminismo; neste século pleno de «bons selvagens», o comércio transatlântico baseava-se no tráfico de seres humanos capturados, marcados, deportados, escravizados e explorados.
[5] Pelos dez malgaxes e dois brancos que ali se estabeleceram em novembro de 1663.
[6] Olivier Pétré-Grenouilleau data as primeiras expedições registadas por volta de 1519.
[7] Numa carta dirigida, em novembro de 1768, ao ministro da Marinha e das Colónias, Pierre Guillaume Léonard Sarrazin de Bellecombe, governador de Bourbon de 1767 a 1773, escreveu: «O comércio de escravos é, neste momento, o objeto mais importante da minha administração. Sem ele, não há mão de obra.»
[8] Os historiadores especializados no tráfico de escravos estimam que, no âmbito do comércio de escravos ocidental (todos os comércios que alimentavam o mundo ocidental e os seus diversos territórios), apenas 2% dos cativos foram capturados pelos europeus. Com exceção de Angola, a «produção» dos cativos era geralmente um assunto puramente africano; eram os comerciantes negros de escravos que encontravam, transportavam, estacionavam e avaliavam os cativos. O sociólogo americano nascido na Jamaica, Orlando Patterson, listou as principais categorias de escravatura por africanos da seguinte forma: a captura na guerra, o rapto, o pagamento de tributo e impostos, a dívida, o castigo por crime, o abandono e a venda de crianças, a escravidão voluntária e o nascimento.
[9] Na altura, um navio mercante era chamado «interlope» se contrabandeava mercadorias para territórios concedidos a uma companhia comercial, para colónias onde não eram permitidos navios estrangeiros, ou para portos sob bloqueio.
[10] 10 de 311 escravos na ilha em 1704, 2 de 387 em 1709.
[11] Ajudá (atual Uidá), a principal cidade costeira do reino de Abomei (atual República do Benin), era frequentada por comerciantes de escravos portugueses no século XVI. Em 1671, os franceses construíram o forte de Saint-Louis (uma estrutura simples em terra).No século XVIII, o reino de Abomei tinha-se tornado um verdadeiro estado negreiro ao serviço do grupo étnico Fons; Ajudá foi cuidadosamente isolada do resto do reino a fim de garantir o monopólio do rei Kpengla (1774-1789).
[12] Em 1677, os franceses estabeleceram-se na pequena ilha da Goreia, da qual os holandeses se tinham apoderado sessenta anos antes. A Goreia está localizada no Senegal, na baía de Dakar.
[13] Nomeado em 1734 como governador-geral das ilhas de França e Bourbon, Bertrand François Mahé de La Bourdonnais (1699-1753) deu um impulso ao arranque económico e demográfico das duas ilhas; a ilha de França, com os seus dois excelentes portos, foi a que mais beneficiou do trabalho deste marinheiro. As intrigas de Dupleix levaram à sua substituição (1746), depois à sua prisão na Bastilha (1748) sob o pretexto de traição e corrupção.
[14] Os quinze Negros de São Tomé de Meliapor desembarcados pelo navio «Jules» em novembro de 1672 eram muito provavelmente escravos tâmiles; tinham sido capturados durante o cerco de São Tomé e enviados para Bourbon pelo vice-rei da Índia, Jacob Blanquet de la Haye. São Tomé de Meliapor é o nome que os europeus deram a Meliapor, hoje um dos distritos do sul de Chenai (Madras).
Datada de 1687, a primeira escritura de venda de um escravo em Bourbon é a de um indiano de doze anos de idade. O censo geral de 1704 indica mesmo a presença de um escravo de «Malaca» e Jean-Michel Filliot observa que os escravos malaios «em número insignificante» chegaram a Bourbon a partir dos anos 70.
[15] Pierre-Benoît Dumas (1696-1746) ocupou o cargo de «presidente do Conselho superior e diretor-geral da Companhia» em Bourbon de 1727 a 1735. Nessa altura, Bourbon não tinha oficialmente um governador; o governador-geral das Mascarenhas era representado por um diretor de comércio, vice-comandante e presidente do Conselho superior da ilha.
[16] Localizado na costa de Coromandel (no sudeste da Índia), Pondicheri era então o principal entreposto comercial da Companhia Francesa das Índias Orientais.
[17] Sob o Antigo Regime, a palavra «tratante» designava geralmente um comerciante; dizia-se «traite des bledz» a propósito do comércio de cereais.
[18] Localizado em Bengala, Chandernagor era o único entreposto de comércio francês na Índia situado no interior.
[19] Os franceses e britânicos lutaram entre si de 1744 a 1748 durante a Guerra da Sucessão Austríaca, de 1756 a 1763 durante a Guerra dos Sete Anos e de 1778 a 1783 durante a Guerra da Independência Americana.
[20] Uma forma de trabalho assalariado imposto aos trabalhadores imigrantes, oriundos principalmente da Índia, pelos grandes proprietários das ilhas Mascarenhas e das Antilhas francesas; estes colonos viram-se desprovidos de uma mão de obra dócil após a abolição da escravatura pela França em 1848.
[21] «Comandante ao serviço do Rei e dos nossos Senhores da Companhia das Índias Orientais» de 1665 a 1671, Étienne Régnault foi o primeiro a exercer a autoridade oficial em Bourbon.
[22] A palavra «cafre» vem do árabe «kafir» (infiel). Para os árabes, a terra dos Kafirs era a África a sul do equador; os europeus limitaram esta área às regiões costeiras da África oriental, desde a colónia do Cabo até à bacia do Zambeze. Em Bourbon, a palavra «cafre» designa todos os Negros de África, apesar de estes descenderem de dezenas de povos diferentes.
[23] Yavi reinou na região de Fenerive de 1767 a 1791. Este governante de Betsimisaraka, o principal comerciante de escravos de Madagáscar, recorria aos seus prisioneiros de guerra para fornecer cativos aos comerciantes de escravos.
[24] Apesar das ameaças da Companhia: «Foi ordenado a todos os habitantes do distrito de Saint-Paul que compraram negros aos Portugueses e que ainda não fizeram a sua declaração, que no-los declarassem, sob pena de multa de 50 libras ou de confiscação em benefício da Companhia.»
[25] Luís Carlos Inácio Xavier de Meneses, conde da Ericeira, foi vice-rei da Índia portuguesa de 1717 a 1721, e depois, após uma longa desgraça devido ao caso de 1721, de 1740 a 1742.
[26] Tendo deixado Goa a 25 de janeiro de 1721, o seu navio almirante, a «Nossa Senhora do Cabo», foi atingido por uma violenta tempestade em março, que o obrigou a arribar em Saint-Denis a 6 de abril para reparar avarias muito graves. A 20 de abril, este navio ancorado foi atacado por dois navios piratas comandados por John Taylor e Olivier Levasseur (conhecido como La Buse) que dele se apossaram e saquearam a sua carga de uma riqueza incrível; riqueza essa que, até hoje, alimenta as fantasias em torno do «tesouro de La Buse» na Ilha da Reunião.
[27] A 14 de julho de 1767, a Companhia retrocedeu a Ilha de Bourbon ao Rei. A «época da Companhia» foi sucedida pelo «período real.»
[28] Agora chamado lago Malawi.
[29] Quase 5 000 quilómetros separavam esta costa de Mascate.
[30] Os ciclones e «avalasses» (grandes ciclones tropicais) de 1806 e 1807 devastaram os cafeeiros e as especiarias da Ilha Bonaparte (o nome dado à Ilha da Reunião de 1806 a 1810); em 1815, a ilha Bourbon, que já não tinha de abastecer as Maurícias, que se tinham tornado britânicas, abandonou as culturas alimentícias. O pacto colonial garantia o escoamento do açúcar no mercado metropolitano cuja procura, na década de 1920, estava em plena expansão. Tudo isto explica porque é que, a partir de 1815, a economia de Bourbon entrou num novo ciclo, com alguns colonos ricos a embarcarem na aventura do açúcar.
[31] Em «De l'esprit des lois» (Livro XV, Capítulo V), Montesquieu, decalcando satiricamente as razões geralmente invocadas para justificar a escravatura, escreveu em 1748: «O açúcar seria demasiado caro, se a planta que o produz não fosse trabalhada por escravos.»
[32] Como tinha feito entre 1794 e 1802 quando os colonos da Ilha da Reunião se recusaram a aplicar o decreto de 16 pluvioso ano II (4 de fevereiro de 1794) abolindo a escravatura.
[33] Alguns autores, como por exemplo Serge Daget, rejeitam a expressão «comércio clandestino» sob o pretexto de que isso mancharia a nobreza da clandestinidade da resistência contra o nazismo.
[34] Na sua tese defendida em 2005, Hubert Gerbeau apresenta a hipótese de 38 500 escravos trazidos para Bourbon entre 1817 e 1830. Nenhuma fonte de abastecimento foi negligenciada: em 1827, o navio «Chevrette» transportou para Bourbon cerca de 300 escravos oriundos da Nova Guiné.
[35] O Capitão do navio Pierre-Bernard Milius assumiu as funções de governador bem como de administrador de Bourbon. Foi «comandante e administrador do rei» de 11 de setembro de 1818 a 14 de fevereiro de 1821.
[36] Isto custou-lhe a sua posição: sendo um incómodo para muitas pessoas, Milius teve de deixar Bourbon para ir para a Guiana.
[37] Em 1820, o capitão Bertrand, que comandou o navio negreiro «Succès», escreveu ao seu armador em Nantes: «Todos os juízes são também colonos, tendo eles próprios comprado negros do nosso carregamento; por isso estamos bastante tranquilos e o senhor também pode estar.» Não só os esclavagistas foram frequentemente absolvidos, como até auferiam indeminizações e juros de tempos a tempos!
[38] Um acórdão de 19 de novembro de 1817, ordenou a restituição ao seu proprietário, Sr. Julien Gaultier de Rontaunay, de vinte e três Negros detidos à entrada de Saint-Denis, «dado que os Negros apreendidos não foram avistados no momento do seu presumível desembarque, e que só poderiam ter sido presos no momento da sua introdução, e caso os funcionários aduaneiros não os tivessem perdido de vista desde o momento da sua introdução até à apreensão.»
[39] Achille Guy Marie, conde de Cheffontaines (1766-1835), governou Bourbon de 20 de outubro de 1826 a 4 de julho de 1830.
[40] Em 1807, o Reino Unido aboliu o tráfico de escravos em toda a África. Depois, tornou-se um defensor da luta contra o tráfico de escravos, tanto para satisfazer a filantropia da opinião britânica como para não deixar a outros um comércio ao qual acabara de renunciar, embora esse comércio se tivesse tornado menos lucrativo do que no passado. A partir de 1811, os navios britânicos navegavam ao longo da costa africana para impedir o tráfico de escravos.
[41] Os navios de escravos clandestinos causaram epidemias de cólera (1820) e varíola (1827).
[42] Um terrível recorde foi estabelecido em 1819 na «Joséphine», uma escuna de vinte e três toneladas vinda de Madagáscar com cento e dezassete prisioneiros!
[43] Em 1845, Ange René Armand de Mackau, ministro da Marinha, informou o governador de Bourbon de que tinha conhecimento de «tentativas graves de tráfico de escravos em Bourbon». Enquanto os colonos estavam empenhados numa «procura frenética de mão de obra agrícola» (Hubert Gerbeau) e em Bourbon os próprios liberais eram escravos, é difícil partilhar a certeza do governador Charles Léon Joseph Bazoche (governador de Bourbon de 15 de outubro de 1841 a 4 de junho de 1846), que respondeu negando a situação e afirmando que «a população repeliria unanimemente as introduções desta natureza.»
Este argumento foi novamente encontrado a 15 de março de 1848 num artigo no «Feuille Hebdomadaire de l'Ile Bourbon»: «Todos sabem que desde 1830 o tráfico de escravos cessou completamente nos territórios franceses. Mesmo que quiséssemos importar escravos africanos, não encontraríamos um único senhor para os comprar.»
[44] Segundo Daniel Vaxelaire, «pelo menos 200 000 pessoas foram provavelmente deportadas do seu país natal para a Reunião.»
+ Exibição
— Esconder
O tráfico de escravosA origem dos escravos de Bourbon
Imprimir
texto em formato PDF
Partilhar esta página
nas redes sociais
   
Autor
Jean-Marie DESPORT

Historiador