Uma sociedade de plantação

Definição

A Plantação, o cerne da história social da Reunião
Autor
Jean BENOIST

Médico antropólogo


A Plantação, o cerne da história social da Reunião

Qual é a melhor forma de compreender o que é a sociedade da Reunião? Cada abordagem parcial dá-nos um ponto de vista particular e não uma apreensão global.

 

A Reunião, no entanto, tem a vantagem de ser aquilo a que se pode chamar de “objeto” de fácil compreensão: a sua pequena dimensão permite-nos compreender a sociedade como um todo sem nos dispersarmos por vastos territórios. Por outro lado, a Reunião apresenta-se como uma espécie de alvo, centrado no ponto vermelho do vulcão, rodeado por um primeiro círculo constituído por montanhas com uma povoação pontual e, de seguida, um segundo círculo cujo limite é o mar e onde se concentram as cidades e vastas áreas agrícolas que se situam entre o mar e a montanha, o que permite uma melhor observação.
No entanto, a sociedade da Reunião não é fácil de analisar. A sua história deu-lhe rostos muito diferentes e depositou vários estratos nas suas terras, nas suas aldeias e nas suas cidades, construindo ao longo dos anos um conjunto que soube articular-se em torno a uma unidade, mantendo, ao mesmo tempo, os sinais dos seus diversos perfis.

É a estrutura e o funcionamento desta sociedade que temos que tentar compreender, entre a história que a criou e as relações internas e externas que a moldam.

Mapa da Ilha da Reunião. Jean-Baptiste Bory de Saint-Vincent. 1804. In « Voyage dans les quatre principales îles des mers d’Afrique, fait par ordre du gouvernement, pendant les années neuf et dix de la république (1801 et 1802)… ».
Coleção Museu Villèle

A Plantação, facto económico, realidade social

Em 1970, a primeira visão daquele que, como eu, chegava à Reunião, era a refinaria de açúcar de La Mare e as vastíssimas encostas cobertas de cana-de-açúcar que a rodeavam e subiam ao longo de um declive suave em direção a um recorte de montanhas. Paisagem extremamente bonita, tanto familiar, como desconcertante para quem chegava das Ilhas das Caraíbas.

Desde o início, a Reunião parecia-me muito próximo daquilo que tinha conhecido e estudado nas terras de plantação da Martinica, de Marie-Galante e de Guadalupe. A Reunião pertencia, muito naturalmente, à mesma família de ilhas, aquelas que os geógrafos chamavam de “ilhas do açúcar”. Terras tropicais nas quais a cana-de-açúcar se tinha espalhado através de vastas propriedades numerosas e refinarias de açúcar. Desde o início, colocou-se uma primeira pergunta que se revelaria central: estas aparências refletiriam a forma como a estrutura social da Reunião era, como a das Antilhas e outras terras tropicais, a de uma “sociedade de plantação?”.

A denominada sociedade de plantação caracteriza-se pela preponderância de uma produção para exportação agrícola, geralmente centrada na cana-de-açúcar, e por uma organização social e uma estrutura de poderes diretamente articuladas com esta atividade dominante.

[Ilha da Reunião – Saint-André: vista aérea da refinaria de açúcar de Bois Rouge e dos canaviais]. Jean Legros. [1950-1960]. Fotografia.
Coleção privada Jean Legros (1920-2004). Todos os direitos reservados

Plantação e escravatura

As raízes dos elos entre a escravatura e as plantações de açúcar são antigas; para as seguir, é necessário regressar no tempo, bem a montante do nascimento das ilhas do açúcar, rumo a uma história muitas vezes negligenciada que nos permite compreender o mecanismo que relaciona uma forma de produção com certos traços de uma sociedade, e em particular, as explorações de açúcar com a escravatura. A cana-de-açúcar, nativa da Nova Guiné, foi desenvolvida no sul da Índia, onde durante muito tempo se garantiu uma pequena produção de açúcar familiar (a palavra “açúcar” é de origem Tâmil). Um produto de luxo, o açúcar foi levado para o Ocidente graças a comerciantes árabes. Todavia, após o estabelecimento do reino de Jerusalém no seguimento das cruzadas, o cultivo de cana-de-açúcar foi introduzido na região e nas ilhas do Mediterrâneo. A exploração mudou de tamanho e tomou a forma de plantações de uma dimensão diferente das da agricultura camponesa. A procura de uma mão de obra servil aumentou; incapaz de escravizar os Cristãos, a atenção desloca-se para os povos ainda não cristianizados, principalmente os Eslavos. Daí o nome dado a esta mão de obra (eslavos ou esclavões), nome que agora a seguiria para sempre e designaria o seu estatuto.

A transferência da cana-de-açúcar para a América hispânica começa muito cedo (o sogro de Cristóvão Colombo era cultivador de cana nas ilhas Canárias) e inspirou-se diretamente no modelo mediterrânico. Cristóvão Colombo sugeriu, numa das suas cartas, que as populações que tinha descoberto podiam trabalhar nas plantações; isso não pode ser efetuado devido à resistência ameríndia e, por conseguinte, recorreu-se ao mercado de escravos de África ao qual a Europa, em especial Portugal, teve acesso.

A relação entre cana-de-açúcar/plantação/escravatura foi assim constituída a partir de uma lógica económica inserida numa longa história. Esta relação foi, por sua vez, reforçada durante o desenvolvimento daquilo a que se chamou de “sociedade da plantação” e foi associada a uma conotação racial devido ao contraste entre a origem dos senhores e a dos seus escravos.

Plantação na Ilha da Reunião. Gustave Doré. Entre 1850 e 1860. Gravura.
Coleção Museu Léon Dierx

A plantação, uma organização agroindustrial

A cana-de-açúcar reveste-se de uma exigência que nem o tabaco nem o café apresentam: num curto espaço de tempo, deve ser transformada em açúcar. Por conseguinte, tal atividade não se coaduna com um nível artesanal, porque é necessário produzir uma quantidade mínima para que seja rentável. Acresce, portanto, para além do trabalho agrícola propriamente dito, a necessidade de investir em locais, equipamentos e instalações destinados à extração do açúcar. A sua rentabilidade exige que a refinaria receba um fornecimento de canas frescas adaptadas às suas capacidades de transformação, e que funcione de modo ininterrupto, o que leva a favorecer o cultivo da cana, em detrimento de qualquer outra cultura. O trabalho de colheita envolve a ajuda de uma mão de obra suficientemente abundante a fim de manter o ritmo e preparar a quantidade de cana a moer na refinaria. As inovações permitiram a transformação de quantidades crescentes de cana, o que levou à eliminação de outras produções agrícolas a favor da monocultura. Como resultado, a refinaria, e seguidamente a fábrica de açúcar, tendiam a controlar cada vez mais terras para direcionar a sua produção para a cana-de-açúcar. Foi preciso mais mão de obra, novos investimentos, cada vez mais onerosos.

Para além deste movimento de concentração de terras, a concorrência de instalações mais eficientes levou, ao longo dos anos, ao encerramento de muitas fábricas de açúcar e ao aumento da concentração, de acordo com uma dinâmica em que a indústria agroalimentar da plantação açucareira se tornou elemento precursor do surgimento do capitalismo industrial.

Esta estrutura económica da plantação teve um impacto em toda a organização da sociedade, da qual a plantação é literalmente a matriz, cuja caracterização obedece a alguns traços fundamentais:
– A presença de unidades agrícolas e industriais cuja produção de açúcar é a principal atividade.
– A detenção, por parte dos produtores de cana-de-açúcar de terras cuja superfície e qualidade permitem rentabilizar os investimentos e os custos de exploração.
– Uma tecnologia que à medida que evolui ceda uma parte crescente ao capital.
– Uma mão de obra abundante, disponível e de baixo custo. Esta pode ser encontrada inicialmente na escravatura, levando-a ao extremo pelo estatuto que atribui aos escravos; nas ilhas tropicais, a escravatura é acompanhada por um contraste racial que o inscreve nos corpos e que permanecerá, muito após a sua abolição, uma marca indelével da história e a base das clivagens da sociedade.
– Um quadro jurídico e político que garanta a hegemonia social e económica do grupo dos plantadores. Isto leva à afirmação deste grupo que se torna predominante sobre a sociedade e tende a autorrepresentar-se como uma aristocracia (“o açúcar enobrece” dizia-se nas Antilhas).

A narrativa acima trata-se de um esquema demasiado geral para que a história o possa ter seguido ao longo dos seus meandros; cada território, cada ilha, realizou-o de acordo com uma configuração particular, como variantes deste esquema ao longo dos anos. Porém, a estrutura básica persistiu.

Na base desta estrutura encontram-se as “propriedades” familiares. A unidade de exploração, a “propriedade” já existia anteriormente à cana-de-açúcar. Na sua tese monumental “A sociedade de propriedade na Martinica, meio século de formação, 1635-1685” Jacques Petitjean Roget mostra bem como é que esta forma inicial de agricultura foi estabelecida no início da colonização das Antilhas, resultante de concessões concedidas aos primeiros a chegar às ilhas: a propriedade foi a célula fundamental da sociedade que estava a ser formada. Através das suas modificações progressivas, ainda marca a paisagem e a sociedade. Por vezes, até hoje em dia, a propriedade familiar tem sido a base da produção de açúcar. Identificada com um lugar e uma família proprietária, a propriedade fazia parte de uma rede de laços familiares e sociais entre os “habitantes”. Foi deles que surgiu a minoria dominante que garantiu a sua supremacia sobre a vida económica da ilha, visto que a propriedade, unidade de produção, era também a unidade social, onde coabitavam os que lá trabalhavam, proprietários, funcionários e trabalhadores. Era nela que o controlo social estava sediado, através das relações marcadas pelo autoritarismo e paternalismo, de acordo com o lugar e as épocas. Numa forte integração vertical, cada um tinha acima de si, na própria propriedade, aqueles de quem dependia.

Vista de uma propriedade. Pormenor de Sucrerie, vue d’une habitation, Coupe d’une Etuve et Canot avec ses Pilons. Robert Benard, diretor artístico. século XVIII. Gravura.
Coleção Museu Villèle.

A concentração da produção de açúcar nas respetivas refinarias mais importantes mas menos numerosas, levou à fusão de propriedades, à criação de sociedades agrícolas onde muitos proprietários se tornam exclusivamente plantadores, enquanto os detentores das fábricas de açúcar consolidam o seu poder, embora esse poder tivesse permanecido sempre frágil como o demonstra a falência das refinarias.

A sociedade assim formada cristaliza ainda mais o contraste entre uma classe, numericamente muito restrita, de plantadores e proprietários de refinarias que detêm a maior parte da terra e o resto da população. Para além do seu controlo económico, a Plantação assegura a preponderância da definição dos interesses da sociedade global através da sua própria grelha de leitura, o que cria desigualdades extremas. Somos automaticamente conduzidos àquilo que um analista em sociedades de plantação, Georges Beckford, definiu como “persistent poverty”, a pobreza inelutável, para o resto da população, devido ao facto que “em todo o lado (as plantações) ocupam as melhores terras e empurram os camponeses para os cimos marginais; a consequência é quase sempre a fragmentação das terras e um nível de vida extremamente baixo para os camponeses ”.

A abolição da escravatura não foi a abolição das plantações e o espaço agrícola disponível para a instalação das novas pessoas livres ilustra bem a observação de Beckford. No que diz respeito à sociedade de plantação, esta resistiu a este abalo, e as estruturas antigas, bem como muitas relações sociais, foram posteriormente reinterpretadas, incluindo durante o recrutamento de trabalhadores contratados, garantindo a grande continuidade da realidade sob novas aparências.

[Ilha da Reunião – Saint-Louis: vista aérea dos acampamentos da refinaria do Gol]. Jean Legros. [1950-1960]. Fotografia.
Coleção privada Jean Legros (1920-2004). Todos os direitos reservados
Isto verifica-se no final do século XIX, quando os herdeiros das estruturas derivadas da propriedade se viram confrontados com o desenvolvimento de fábricas de açúcar que exigiam um forte investimento em capital e que levam muitos plantadores a uma lógica económica estrangeira. Em alguns casos, a antiga plantação adaptou-se de forma a resistir e teve sucesso, como na Martinica e, por vezes, na Reunião, à custa do encerramento de muitas refinarias de açúcar cujas ruínas pontuam a paisagem. Foi também a transição da exploração agrícola direta para outra gestão da produção de cana, ou como nas Maurícias através de fragmentações em prol dos pequenos plantadores, obrigados a manter a produção de cana, ou ainda na Reunião, pelo arrendamento de terras que manteve os colonos dependentes dos proprietários. De seguida vieram as maiores concentrações: os conglomerados cobriram áreas consideráveis, fornecendo a cana a refinarias ampliadas e renovadas e, com mais frequência, utilizando a mecanização do trabalho agrícola. As sociedades afastaram-se cada vez mais para longe do mundo da plantação para se tornar uma atividade industrial moderna, cuja gestão leva muitas vezes à depreciação agrícola e à venda de terrenos com vista a investimentos em atividades comerciais e turísticas: a sociedade de plantação deixou então de existir como tal.

[Ilha da Reunião – Saint-Louis: vista aérea da fábrica de açúcar e da destilaria do Gol. Jean Legros. [1950-1960]. Fotografia.
Coleção privada Jean Legros (1920-2004). Todos os direitos reservados
A Plantação, um sistema totalmente centrado nas exportações, só pode resistir aos acasos da economia caso se mantenha numa estreita dependência política ou, pelo menos, económica, de uma potência que era, nas ilhas tropicais, uma potência colonial.
Assim, quando falamos de “sociedade de plantação” não se trata de uma sociedade onde há plantações, nem qualquer agricultura baseada na cana-de-açúcar: trata-se de uma sociedade centrada no grupo dominante que é o cerne da vida política e do sistema de valores. As fortes desigualdades do sistema (através da escravatura, da contratação ou de um proletariado rural) são apoiadas por uma ideologia que diz legitimá-los com base nas origens dos indivíduos.

A Reunião é uma sociedade de plantação?

Assim sendo, será que a primeira abordagem sobre a Reunião estava certa ao descobrir nela todos os índices de uma “sociedade de plantação”? À primeira vista, a Reunião parecia encaixar-se neste quadro. Contudo, as coisas são mais complexas e merecem uma atenção particular, porque:
– A Reunião permaneceu por muito mais tempo do que as Antilhas, uma sociedade de propriedade para além do mundo do açúcar e das suas consequências. A chegada tardia, no século XIX, da “cana total” permitiu não somente uma certa diversidade da produção, mas também uma maior flexibilidade do controlo da terra, uma menor estabilidade de um grupo de grandes proprietários que se consideram aristocratas, uma dissociação, pelo menos parcial, entre o estatuto social e as origens: grandes plantações tornaram-se propriedade, muito cedo, dos nativos da Índia. Ao passo que nas Caraíbas e nas Maurícias, a barreira entre brancos e outros segmentos da população é clara, na Reunião as transições étnicas e sociais são múltiplas. A mobilidade e a permeabilidade sociais estão longe de ter estabelecido um grupo dominante que permaneceu parcialmente aberto, com ascensões e colapsos. Ademais, na Reunião, devido ao seu relevo, tal como a Basse-Terre em Guadalupe, oferece múltiplas possibilidades de sucesso aos camponeses.

Todavia, não obstante o facto de a Reunião ter uma grande especificidade, ela participa plenamente no modelo da sociedade de plantação que a dominou durante muito tempo. A “vocação açucareira” da ilha, os elos das classes abastadas com o mundo da plantação, a extensão da grande propriedade a todo o círculo açucareiro da Reunião, atestam isso. Não há nada mais eloquente do que identificar a evolução da sociedade da Reunião retraçando, nem que seja muito brevemente, a história de certas propriedades. O passado da propriedade onde se encontra atualmente o Museu Histórico de Villèle, em St Gilles les Hauts, atesta-o perfeitamente. Num primeiro momento, assistimos à fragmentação, ao sabor das heranças, da concessão inicial detida por Thérèse Mollet em 1698. Esta “máquina de retalhar a terra” segundo os dizeres de Jean Mas, opera até 1785 e resulta na divisão da propriedade original em oito partes desiguais, sob a forma de faixas paralelas. Uma mudança radical ocorreu quando Henri Paulin Panon Desbassayns, e de seguida a sua viúva, Madame Desbassayns, desenvolveram a plantação e começaram a unir as terras reconstituindo gradualmente a antiga concessão com a exceção de uma zona estreita. Fábrica de açúcar, aumento do número de escravos, e também esforços para construir a propriedade como terra aristocrática. A construção de uma capela destinada a obter um estatuto que a vinculasse, – o que não ocorre – não ao episcopado da Reunião mas a Roma, alianças matrimoniais com a grande família aristocrática de Villèle, tudo isto contribuiu para fazer desta propriedade um exemplo daquilo a que se aspirava, muitas vezes em vão, na Martinica, na Reunião ou na Maurícia.

Recordação da ilha Bourbon, N ° 36: Propriedade Desbassayns (Saint Gilles). J. Dureau; de Antoine Roussin.
22 de outubro de 1847. Litografia a cores.
Coleção Arquivos do Departamento da Reunião

Depois tudo periclitou, até ao choque final. A divisão administrativa da Reunião em departamentos remonta a 1946. Foi em 1948 que se formaram a empresa Sucreries de Bourbon, reunindo várias empresas familiares, e introduzindo novos métodos de gestão de terras num esforço de adaptação a novos constrangimentos, e para tirar partido das novas oportunidades. Os herdeiros mais afastados de Madame Desbassayns tiveram de ceder a sua propriedade, que se fundiu no todo . Algumas modificações permitiram-lhes manter o seu modo de vida numa casa que já não lhes pertencia. Os vestígios da velha sociedade desapareceram. Uma considerável remodelação social que afetou igualmente os antigos colonos, que se tornaram “órfãos de um universo paternalista que morre” segundo palavras de J. e R. Potier. 
Estava longe o desejo expresso no testamento Madame Desbassayns, em novembro de 1845! Os seus herdeiros, ao longo das gerações futuras, tiveram que manter a propriedade intacta, como um conjunto único, e “apreciá-la em comum e indivisamente o maior tempo possível”. Expressou um propósito, quase uma ordem: “O meu desejo mais ardente é que esta propriedade e os escravos ligados a ela nunca passem para mãos estrangeiras”.

A lógica económica das grandes sociedades não fazendo do açúcar uma prioridade, rapidamente se tornou evidente que o capital que representava a terra seria mais bem utilizado noutras atividades. A Sucreries de Bourbon, entre outras , reorienta-se para o comércio, o turismo e outras ambições que a tornaram um conglomerado com atividades internacionais, que elimina do seu nome a palavra “sucrerie”.

E depois?

O choque da divisão administrativa em departamentos (departamentalização) levou a uma remodelação da sociedade. Os representantes eleitos da esquerda que tinham promovido este novo estatuto consideraram que a evolução residia nesse sentido; a lentidão inicial e as inevitáveis permanências ocultaram o facto de terem tido razão de um ponto de vista global: a departamentalização acarretou consigo uma revolução silenciosa que viria a abolir o sistema de plantação e a sociedade que ele tinha constituído.
Todavia, a estrutura e os poderes antigos amorteceram há muito estas consequências. A sociedade de plantação, firmemente detida por um grupo social dinâmico, tornou-se a porta-voz da vida económica, com a participação de representantes eleitos bem colocados. Os progressos técnicos, a audácia de alguns chefes de empresas inspirados no exemplo da Maurícia onde a plantação tinha sobrevivido aos acasos da independência, parecia reservar-lhe um futuro real. Contudo, vimos como a mudança das regras do jogo numa sociedade anteriormente dedicada à introdução maciça do açúcar deu lugar à emergência de outra sociedade.

O que poderia ser definido como o fim da sociedade de plantação, na sua base económica e nas formas mais visíveis do seu poder social, não implica, no entanto, o desaparecimento dos seus vestígios ou das suas cicatrizes.

Alguns deles tornaram-se património. Pensamos no mais explícito: o Museu Histórico de Villèle ou o Museu de Stella Matutina na Reunião, a fábrica de Beauport na Guadalupe ou a Fundação Clement na Martinica. Pensamos também no património imaterial, que se expressa cada vez, resultante do que os trabalhadores de Madagáscar, África e Índia trouxeram consigo, e que foi transmitido, por vezes de forma surpreendentemente estável, mas de modo frequente, misturado no cadinho das propriedades, tornou-se parte integrante das múltiplas combinações da cultura crioula (na linguagem, nas artes, nas relações familiares, na alimentação, etc.).

Museu Villèle. Emmanuel Richard, Alexandre Rivière. 2019. Fotografia.
Todos os direitos reservados

Outros vestígios são mais subtis e difusos: na estratificação social, no acesso aos grupos dirigentes. As redes de parentesco entre os proprietários das plantações, as elites económicas urbanas e numerosos membros das profissões liberais continuam muito vivas. Vestígios que marcam a vida social e política na permanência de relações de hierarquia/dependência/revolta para com aqueles que representam a autoridade, vestígios nas formas de uso dos solos e distribuição do habitat: os bairros derivam diretamente dos antigos “campos” enquanto as casas dispersas são testemunho do povoado.

Outros legados são “feridas da alma” entre os descendentes daqueles que, escravos ou contratados, foram marcados por um estatuto que selou a sua dependência inelutável. Os corolários raciais e culturais da hierarquia sem piedade, obrigaram-nos, durante muito tempo, a vergar-se sob o peso de um desprezo que lhes foi ensinado a partilhar. Isto levou a uma certa “racialização” da sociedade que marca muitas dimensões da vida social e dos valores ligados a vários elementos da cultura, especialmente nas Antilhas. É neste contexto que surgem várias formas de reconstrução identitária.

A sociedade de plantação surge, assim, como um quadro constrangedor que se decompôs.
Dará lugar a uma perturbação testemunhada por muitos “deixados para trás” ou a um equilíbrio mais harmonioso e promissor para aqueles que ela dominava ao mesmo tempo que os enquadrava?

 

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Notas
[1] G.L. Beckford : Persistant poverty : underdevelopment in plantation economies of the Third World Oxford U. Press, 303 p.
[2] Potter, R e J., 1973 Estudo antropológico de uma zona açucareira na Reunião. O Gol e a sua área de abastecimento, Museu de Arte e Arqueologia de Antananarivo.
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Jean BENOIST

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